Bremen, Alemanha
27 de abril de 1928
- Bom dia, Sra. Schwartz!
- Bom dia, Sr. Ziemann – Margalit cumprimenta o idoso que habitualmente passeava o seu fiel amigo, Albert, um cão da raça spitz alemão. Habituado à presença usual da morena no bairro, o cão coloca as patas nas pernas dela, enquanto abana a sua cauda felpuda, ansiando por umas festas, as quais ela dá carinhosamente.
- Ouvi uns rumores de que o seu pai partiu para Viena ontem – diz o Sr. Ziemann vagarosamente.
- Apenas rumores – ela olha para o idoso em sua frente e sorri-lhe docemente – Mas é muito provável que até segunda ele faça a viagem de regresso. Afinal, tal como ele diz: "A arte chama-lhe" – o idoso dá algumas gargalhadas, mesmo com uma certa dificuldade.
- Nunca vi ninguém ter tanta paixão ao trabalho como o seu pai – Margalit abana a cabeça em concordância – É uma pena ele não ser tão presente para a sua família...
- Escolhas – responde indiferente, ocultando os seus verdadeiros sentimentos em relação à ausência do seu pai. No fundo, ela habituou-se a não ter uma figura paternal perto dela, e sendo a sua mãe uma mulher muito doente, isso contribuiu para que Margalit se tornasse numa mulher independente e com maturidade o suficiente para tomar as mais variadas decisões – Já agora, o sr. Ziemmann necessita de alguma coisa? Ajuda em casa ou...
- Não, minha jovem – interrompe-lhe, levantando a mão em impedimento – Agradeço a sua preciosa ajuda, mas está tudo em ordem.
- Sendo assim... Tenha um resto de um bom dia – ela sorri, revelando os seus dentes direitos e brancos. Um sorriso encantador, sem sombra de dúvidas.
Após despedir-se do seu vizinho e dar uma última festa ao Albert, ela caminha em direção à pequena mercearia, que encontrava-se logo no fim da rua. Ao chegar ao local, cumprimenta a dona e escolhe os produtos essenciais para fazer refeições, pelo menos, durante uns quatro ou cinco dias, pagando-os no final. Poder-se-ia dizer que a sua rotina era sempre igual, sofrendo apenas alterações quando o seu pai regressava de Viena para visitar a família durante alguns dias.
Margalit gostava imenso do ambiente do seu bairro, as pessoas eram educadas e amigáveis, e eram raríssimas as vezes que alguma confusão surgia no mesmo. As ruas da pequena cidade de Bremen eram, praticamente, todas da mesma estrutura, estreitas, contudo isso não se poderia considerar de todo um ponto negativo, até porque os bairros tornavam-se mais acolhedores. As casas estavam todas em muito bom estado e alguns dos vizinhos faziam questão de embelezá-las por decorar a beirada das suas janelas com vasos de lindas flores. Ninguém diria que o país atravessou enormes dificuldades com a grande guerra, especialmente porque o ambiente pacífico e alegre transmitia o contrário. Ou então era tudo uma farsa.
Chegar a casa era o mais complicado. Não pelo facto de ser uma longa caminhada, porque não era, mas sim por saber que veria novamente todo o sofrimento pelo qual a mãe é atormentada todos os dias. Como ela desejava que a mãe compartilhasse um pouco da sua dor, de forma a ficar mais aliviada. Mas nem tudo é como nós queremos.
- Como a mãe está? – pergunta, assim que vê o pai sentado no sofá a ler o jornal.
- Agora está a dormir – responde, desviando os olhos do jornal. Ela senta-se ao seu lado, cruzando as pernas – Acho que deverias considerar a minha proposta de vir comigo para Viena. Irias amar o lugar e a comunidade judia está bastante fortalecida, quem sabe se não encontras alguém lá para casar – ela revira os olhos, mesmo sabendo que o pai detestava esse seu ato.
- O pai sabe que eu nunca deixaria a mãe sozinha – contrapõe já farta das diversas tentativas, em que o pai propunha dar-lhe uma vida de luxo em Viena.
- Sabes que tenho dinheiro suficiente para pagar alguém para cuidar dela...
- Pois claro. Vou simplesmente abandoná-la, exatamente como o pai fez connosco! Ótimo! – ironizou, levantando-se do sofá – Até estou admirada como ainda não foi embora assim que a exposição na galeria terminou.
Margalit sentia-se cansada das constantes discussões que tinha com o pai sempre que o mesmo confrontava-a com a proposta de ir morar com ele para Viena. Ela admitia que sentia falta da cidade, sobretudo pela sua beleza arquitetónica. Era notoriamente o local ideal para o início de uma carreira na área artística, porém, seguí-la não constava nas suas prioridades. Ela simplesmente queria ser uma filha presente e cuidar da sua mãe, cada vez mais doente com o passar dos dias, mesmo que isso implique ter de abdicar dos seus sonhos e paixões.
- Margalit, por favor, nós ainda não terminámos – o pai agarra no seu braço, impedindo-a de ir embora.
- Oh, não! Nós definitivamente já acabámos há muito tempo atrás, desde o momento que decidiu abandonar a sua família para... Sinceramente? Ainda questiono o por quê de estar gastar saliva consigo.
Assim que pegou na sua bolsa branca, saiu de casa, sem encarar o pai, que demonstrava-se perplexo. Ela não tinha um lugar específico para ir, mas precisava de espairecer, antes de regressar novamente a casa e prosseguir com a lavagem do monte de roupa dos vizinhos, trabalho esse que garantia o dinheiro necessário para a sobrevivência do dia-a-dia. Margalit decidiu, portanto, dirigir-se para um jardim, perto da sua casa, onde a sua usual companheira idosa encontrava-se sentada num banco a dar comida aos pombos.
Um sorriso caloroso surge no rosto enrugado da Sr. Schwammbach, assim que avista a jovem de cabelos soltos, levemente encaracolados, num vestido azul egípcio justo e reto, salientando o seu quadril, e um cinto branco, que destacava a sua cintura. "Quem diria que, eu própria, já fui assim", pensa a idosa, recordando-se da sua juventude.
- Bom dia, Margalit! Qual a razão da tua humilde aparência? – pergunta com um tom brincalhão.
- Achei que o dia estava demasiado bonito para desperdiçá-lo em casa – responde, mantendo o seu habitual sorriso.
Schwammback sabia que essa não era a verdadeira razão, no entanto conhecia a rapariga suficientemente bem para saber que ela apreciava o silêncio, pelo simples motivo de que podia refletir e tirar as suas próprias conclusões, sem que alguém se intrometesse.
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Weltschmerz
Historical FictionWeltschmerz (n.) lit. "world-pain"; the state of sadness and depression felt when the world as it is doesn't reflect what you think it should be. Numa época em que o nazismo assume a liderança, a humanidade revela...