Capítulo 1 - O Colecionador de Caronas

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Jess transitava pela rodovia estadual de Oasis, em sua Kombi de tom azulado. Sobre o painel se estendia um longo mapa de papel todo amassado das rodovias de Taureana. Ela não cedia aos meios tecnológicos — "GPS? Besteira!" — e preferia muito mais seus quase sessenta centímetros de puro atrapalho e atraso na viagem.

Estava a seis semanas (quase sete) na estrada com o carro de mais de vinte anos de história, antes pertencente ao seu pai, rumo ao completo e abismante desconhecido.

 Adorava Amélia — Sim, Amélia era o próprio carro, nomeado por seu pai ainda na adolescência— mais que tudo, cada cantinho da lataria arranhada lhe lembrava de uma história. Aprendera com seu pai. "Está vendo esse amassado? Foi bem na época que você falou 'papai' pela primeira vez. A porta que não fecha direito, foi seu tio Carlos em 92. E esses bancos... Bem, estes bancos, quando eu e sua mãe eramos adolescentes... Er, longa história."

A velha van que muito já percorrera, era o xodó do pai e, consequentemente, como a fruta nunca cai muito longe do pé, da filha mais velha também. O caçula, Denny, nunca gostara muito daquela lata velha, como bem costumava falar, o que Jess nunca entendeu bem o porquê, já que achava Amy (as vezes ela gostava de a chamar assim) tão charmosa.

Enquanto tirava o olhar da estrada para ver o mapa novamente, de forma tão repentina, se deparou com um homem no meio da estrada. Tentou desviar, por pouco, muito pouco, não o atropelou. O rapaz, ainda com a mão levantada pedindo carona, recuou dois ou três passos. Jess conseguiu frear finalmente logo a frente, depois de alguns metros de onde quase o atropelara. Esbaforida, recostou-se sobre o volante e tentou respirar e se recuperar do choque recente. O quase atropelado deu um leve sorriso, ajuntou sua velha e esfarrapada mochila de pano e seguiu, nem um pouco abalado com o acontecido, até a porta de Amélia. Durante um breve momento, pode observar uma Jess completamente ofegante do outro lado do vidro fechado da janela.

Levaram-se alguns segundos para que Jéssica abrisse a porta para o estranho. Esticou o longo e esquelético braço até a maçaneta, quase se deitando sobre o banco do carona.

 — Unf... — Murmurou em sua trajetória até a maçaneta de metal já gasto e com a pintura toda riscada — Eu... Quase... Pronto! — Gritou por fim, vitoriosamente. O garoto observa tudo aquilo com sua melhor cara de estranheza misturada a um riso frouxo.

— Está indo a Taureana? — Perguntou recobrando a sua (quase) seriedade habitual.

— Vou passar por lá. — O rapaz coçou a barba mal feita, pensativo. — Vamos, entre logo. Não tenho o dia todo! — Por fim, quase berrou com o desconhecido. Não que fosse mal educada, apenas odiava, mais que tudo (até mais que a incomoda tecnologia, a qual não conseguia se adaptar), gente lerda em raciocínio ou o que fosse.

Ele saltou para dentro da Kombi turquesa, apressado e com um fundinho de medo da garota que quase o amassou feito papel. Se acomodou no banco, cujo havia um não tão pequeno e incomodo buraco com a espuma saindo para fora. De qualquer forma, nestes quase dois anos, já vira muito piores.

Ela arrancou com tanta velocidade que o viajante pensou, por um minuto, que Jess iria matá-lo — Matá-los, os dois, batendo o carro ou algo parecido. Não, Jess era apenas... Menos cautelosa que qualquer outro motorista. Apenas.

Ela olhou para o lado, analisando brevemente o rapaz que lhe parecia ter a sua idade, uns vinte e poucos anos, talvez ainda um pouco mais jovem. Tinha uma estatura mediana (o que para a garota de 1,75 era baixo), tão magro que os ossos pareciam lhe saltar da pele nua pela regata surrada que usava. Aliás, estava tão mal vestido que Jess, por um breve momento, cogitou se uma esmola não seria melhor do que uma carona. Usava até mesmo um chinelo com a sola gasta, para piorar a situação que a garota imaginava em que ele estava.

AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora