Capítulo 5 - Tampinhas

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Jess saira de casa no exato dia em que seu tio Carlos fizera lá seus... Ah... 45? Não, não, eram 43...? Oh, bem, ele era velho. Alguma coisa assim.

A casa dos Price estava um verdadeiro inferno. Sua família não era grande, mas ao mesmo tempo era.

Seu pai e seu tio adotaram os amigos como família. Tinha seu tio Berry, que na verdade não era tio. Tinha também sua prima, Viola, que na verdade era filha dele com uma mulher que nunca vira, ou seja, nem era sua parente. Ainda tinha as namoradas de Carlos, que eram sempre um pé no saco, Carter Monnerville, que era casado com Milla König, que tinha casos com Robert Fuchs, que bem na verdade, era louco por Nadine Waibel.

Eram todos adolescentes que se esqueceram de crescer. Sua casa aos sábados era uma bagunça, em terças-feiras de carteado se recusava a descer no porão por motivos de orgias certeiras, na segunda quinzena do mês os homens da casa tiravam o dia todo para se infurnarem na garagem e resolverem os problemas constantes de saúde de Amélia – e tentar, claro, convencer seu pai a troca-la pelo carro do ano.

É, fora no meio disso que ela e o irmão cresceram. Não era a toa que eram todos loucos. Denny era outro farrista como os tios, Viola colecionava pedras, Jess amava um carro.

No aniversário do tio mais velho, o de sangue, eles encheram o teto de balões, Amélia de fitinhas, e a casa de gente. Ela terminara com o namorado, o pior dos piores, o idiota que só lhe tomara tempo, duas semanas antes. Rasgara fotos, deletara ele de todos – e com todos eram todos, até dos parentes, sem o consentimento – meios de comunicação possíveis, o que para Jess Price eram só o telefone porcaria que só fazia ligações e o Skype que usava com freqüência por conta do trabalho; mandara ele à merda e outros lugares que você já deve imaginar – Digo, passear... Como não?! –, pedira à Nadine Waibel para espalhar por metade de Prima que na "hora h" ele não dava conta. Ela não era vingativa, sabia que não a levaria a nada...

E então, batidas na porta. Oh, quem seria? Gary Harter não viria, a namorada número 47 estava com pneumonia passando mal, dos amigos de Denny, nenhum confirmara. Boom! A casa inteira parecia ter ido aos ares com uma explosão em formato de cogumelo, assim como nos filmes.
Lá estava, parado diante da porta com sua melhor cara fingida de cãozinho abandonado.

— O que...? 

— Jéssica, eu... Me perdoe.

Duas palavras tão falsas quanto quem as disse. Me perdoe, me perdoe... Perdoar é o caralho!
E lá se perdoa esse tipo de coisa?! Fora sem querer, por acaso? Ops! Tropecei e cai em cima dela. Que belo acidente, hein?!

Já chorara várias vezes, se culpara por isso, rasgara e queimara todos os planos de sua mente e repetira o processo inúmeras vezes desde que tudo acabara. Enquanto isso, o cafajeste imundo do qual o nome não deve ser pronunciado nem que o mundo estiver se acabando em água, levara todo, todo o tempo do mundo para saber que talvez palavras possam surgir efeito sob alguém. Grande bosta. Ela também sabia ler palavrinhas bonitas copiadas de algum livro do qual nem o autor se sabe ao certo qual seja, também sabia decorar textos descaradamente, sem qualquer carga emocional digna de atenção, sem qualquer coisa que realmente seja de verdade.

— Sai já da minha casa! — Gritou, empurrando o peitoral do homem a sua frente.

Ele notou o quão bonita ela estava, notou o cabelo recém cortado para trás da orelha, notou os olhos bem contornados debaixo de uma franja que antes não existia, mas que realçava o lindo rosto da garota, notou o jeito meigo como ela se mexia — Ela agia desta forma antes? —, notou que até o seu silêncio conseguia ser harmonioso e uma série de outras coisinhas que nunca havia notado antes Mesmo diante dos seus próprios olhos. Talvez fosse o desespero. Não queria nunca mais sentir aquele aperto no peito que havia sentido nas últimas semanas, seria culpa? Arrependimento... Saudades? Ah, sim, era o buraco que ela havia deixado. Não gostava da monotonia dos relacionamentos, mas gostava de Jéssica. Jess, certo? Ah, lembrar nomes é tão exaustivo... Podia chama-la só de "amor" para sempre, não podia?

AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora