Capítulo 2 - Mapas, Namorados e Afins

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De repente, Gus pegou-se admirando Jess enquanto, com a cabeça apoiada na janela, pegava no sono. Jess virou-se para o garoto que, no mesmo instante se levantou, acomodando o corpo novamente sentado no banco. Deve ter corado o suficiente para sentir seu rosto arder de vergonha.

- Está com sono? - Perguntou, sem nem perceber o quão envergonhado ele estava e nem o porquê. Ele não disse que sim, mas também não negou. Apenas mexeu nos cabelos tentando disfarçar. - Se quiser pode dormir lá atrás. Eu improvisei uma cama, tem alguns travesseiros.

- Não, não mesmo. Não quero incomoda-la. - Gus falou balançando a cabeça, como uma visita que negava conforto apenas por educação. De qualquer modo, não se incomodava com algum pequeno desconforto, desde que saiu de casa era a isso que estava acostumado: desconforto. Era daí para muito pior. Já havia dormido em banco de praça, em chão de posto de gasolina, até na calçada suja e fria havia dormido algumas vezes. Quando não conseguia algum emprego na cidade, era raro ter algum dinheiro sobrando para se dar ao luxo de dormir em uma cama.

Gus, de certa forma, achava que merecia tudo isso. Como que um grande castigo divino por ter abandonado sua mãe e seus irmãos e tê-los feito sofrer.

- Deixa de ser teimoso, cara. É melhor que ficar com torcicolo.

- Obrigado, mesmo. Mas estou bem, eu juro. - Falou, tentando, ao menos por em prática sua educação.

Jess riu, como podia ser tão teimoso? Era demais um pouco de conforto? ainda mais para ele, que aparentemente estava tão cansado, visto as enormes olheiras, a cara sonolenta e as sete vezes contadas em que quase dormiu sentado. Estava fazendo a via sacra ou o quê?

- Dormiu pouco é? - Ela perguntou mesmo que a resposta lhe fosse óbvia.

- Passei a noite toda fazendo a limpeza do banheiro de um posto. Eles dão alguma comida ou banho em troca, sabe? - Pelo visto por um banho é que não havia sido... - Estou exausto. Sequer pude dormir por lá, senão não encontraria carona e ia chegar em Taureana Deus sabe quando.

Jess, ouvindo tudo aquilo, se sentiu sortuda. Ela tinha uma casa, uma família, o quê comer, onde dormir. Já era algo para se sentir grata.

- Você pod... - Ela começou a falar, mas logo viu Gus, aquele rapaz já adulto com um rosto meigo e infantil, encolhido no canto do banco adormecido. Estava tão cansado que sequer conseguia fechar os olhos sem pegar no sono instantâneamente​.

Jess teve que admitir a si mesma que o garoto era muito fofo dormindo. Estava quase que abraçado ao próprio corpo, em um sono tranquilo.

Dormiu durante quase a tarde toda. Às vezes, como que mergulhado em um profundo pesadelo, se mexia muito e respirava ofegante, dando pequenos grunhidos indecifráveis.

- Hmm... Mmm... M-ma... Mãe...

Mãe? Era isso mesmo? Ele estava sonhando com a mãe? O que quer que fosse, devia ser terrível, pelo modo como ele parecia inquieto, se debatendo e tudo.

Deu uma enorme inspirada, ofegante, como lhe faltasse ar, e finalmente acordou, como que sufocado pelo pesadelo.

Acordou assustado, mas se recusou a demonstrar isto, não na frente daquela garota. Ela provavelmente iria rir da sua cara, alegando que ele era um fraco, ou iria sentir mais um pouco de pena e talvez, quem sabe, lhe desse um colchão e uma muda de roupas como doação. Qualquer uma das hipóteses era horrível, Gus nem conseguia distinguir qual era pior.

- Você está b...

- Sim, eu estou. Não precisa se preocupar comigo, ok? Cuide da sua vida. - Respondeu rispidamente, antes mesmo que ela terminasse, talvez por medo de um novo ciclo de pena se iniciar.

AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora