Aracnofobia

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Quem aí tem medo de aranha? Quem aí já teve pesadelos envolvendo aranhas...?

Eu era criança

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Eu era criança. Tinha oito ou nove anos. Passava os finais de semana na casa de minha avó. Naquele sábado chuvoso, cujo dia mais parecia noite, com seus raios, trovões e nuvens escuras, eu estava somente com ela. Meus primos não apareceram, minha avó dormia após o almoço, e fiquei insone, curioso, observando (e sendo observado). A despensa de vovó era local impenetrável, secreto. Só entrávamos lá quando ela nos deixava de castigo. Naquele dia solitário, ninguém por perto, ela ressonando (eu ouvia de longe seu ruído), a curiosidade implacável agarrou-me pelos pés. A porta estava apenas encostada. Não havia sequer chave. A proibição era tácita. Ninguém entrava sem permissão. Ponto. Porém, naquele dia eu olhava para o trinco da porta, e não conseguia desviar nem olhar nem mente. Ela ressonava profundamente. Era a minha chance. Eu precisava conhecer um pouco melhor aquele local, sem estar de castigo ou apenas pensando em quando e como sairia dali. As estantes de madeira guardavam coisas pitorescas, antigas. Aparelhos arcaicos e de uso desconhecido para uma criança. Potes e mais potes de vidro, conservas, doces. Nos recantos mais profundos das estantes mais baixas, havia outras coisas. Facas, serras, utensílios os mais diversos, papéis amarelados que se acumulavam pelos tempos. O cheiro rançoso de coisa velha e lugar fechado me causava uma leve dor de cabeça. O ar parecia irrespirável. Eu inspirava pouco e expirava muito. Silêncio. Profundo silêncio. Saí devagar para a cozinha a fim de verificar se minha avó ainda ressonava. Sim. Não conseguia ouvir de dentro da despesa, mas sim. Autorização protocolar, o retorno às estantes de décadas de histórias para contar. Eu procurava, lá no fundo, bem sabia, uma lembrança. Um mito? Algo que eu havia visto, ou pensava ter visto, há anos, quando era muito pequeno. Armadilha da memória? Era um vidro contendo formol. E algo morto e conservado no líquido. Por que minha vó teria algo assim? Loucura minha? Era uma aranha. Horrenda, longas patas, descansando em sono eterno. Mas era muito grande. Inacreditavelmente grande. Bom, pelo menos para uma criança que não devia ter mais de três ou quatro anos. Ela parecia viva. Parecia me observar. Tive medo e não a esqueci. Mas o fascínio me fazia procurá-la todo aquele tempo, sem saber, sem consciência disso. Agora estava lá, no escuro da despensa fria e rançosa. Procurando aquele pote de vidro contendo uma aranha em formol. Fora um sonho? Pesadelo. Eu não consegui ver o que havia nas estantes mais altas. Encontrei uma escada de alumínio. Abri-a com certa dificuldade e subi. Subi até o último degrau e me dependurei na última prateleira. No esmero de ver o que havia mais ao fundo, fiquei nas pontas dos dedos dos pés e acabei resvalando no fim do degrau, seguindo-se daí uma queda espetacular que me fez grudar as costas ao chão, com a escada caindo por cima de mim. Doeu, mas mais que a dor, o susto pelo barulho e a tontura pela rapidez da queda. Deitado ao chão, uma leve luminescência me chamou a atenção. Abaixo da prateleira mais baixa, um pote de vidro por trás de alguns panos. Eu me arrepiei e puxei devagar os panos... Temendo o que veria, já sabendo o que era, na certeza da loucura que se aproximava. Lá estava ela. Tão grande como antes. As patas longas e arqueadas, exatamente igual à criatura que eu conheci. Tão viva quanto jamais esteve. Eu sentia algo que não era vida nem morte. Era uma presença, e vinha dali, daquele pote de vidro, daquele líquido que me protegia dela. Quanto terminei de puxar o pano, o pote tombou para o lado, pois um dos panos estava por baixo dele, e rolou. Em minha direção. Estalei os olhos, ampliei os sentidos, o coração disparado, o peito arfando. Nada mais seria como antes, pois o pote rolava em minha direção, a criatura rolando junto, como se estivesse nadando em um mar eterno. Eu levantei de supetão, bati o cotovelo na escada, e na dor e no susto e no pânico, chutei o pote, que rolou forte até a parede, estilhaçando-se e jorrando o formol em várias direções. A aranha foi no fluxo do líquido, parou a centímetros de meus pés e... Não parecia morta. Parecia, porém, muito maior que jamais imaginara. Talvez fosse o medo. Mas ela estava liberta, e o que me causava fascínio, agora me dominava a ponto de não conseguir me mexer. Segurei a respiração. Queria gritar e não podia. Com todo aquele barulho, minha vó não acordara? A aranha "caiu de pé". Não, não era só isso. Ela... estava de pé, sobre as patas. Eu não sabia o que fazer. Ela me encarava com aqueles pequenos olhos doentios, as patas longas e levemente grossas, sem pelos. Estava escuro, mas tinha a sensação de que ela era inteiramente marrom. Tirei coragem do abismo da alma e comecei a engatinhar de costas, até bater na porta. Tomei um susto, levantei, toquei no trinco, abri a porta, saí e a fechei rapidamente, o coração aos pulos, os nervos saltando, o horror trincando os dentes. A claridade da cozinha me deu algum alívio, mas fui para a sala, pensando apenas em ficar o mais longe possível daquele demônio. Eu tremia muito. Minha avó continuava ressonando. Sentei no sofá, as mãos unidas, em pensamentos disformes. Minha visão periférica me pregava peças, eu achava que havia aranhas por toda parte. Apenas impressão, luzes e sombras atemorizantes. Eu precisava me controlar. Talvez não passasse de um delírio. Foi quando notei um movimento debaixo do rack da televisão. Patas. Não, não era impressão, eram patas, sim. Como ela chegou aqui? Meus pelos todos se eriçaram, eu não podia acreditar. E mais e mais patas, várias aranhas, todas enormes, saíam lentamente do chão escuro e frio e caminhavam em minha direção. Ia pular por trás do sofá, mas havia mais aranhas atrás dele também, e soltei um grito. quando me virei novamente, dei de cara com a barriga de minha avó, que me olhava de cima para baixo, os olhos injetados. Ela gargalhava. Ouvi um ressonar ao longe...  

Binho Horror Story - Contos de Fabiano JucáOnde histórias criam vida. Descubra agora