Eu tinha 12 anos quando minha avó faleceu. Isso foi há mais de dez anos, mas certas coisas são difíceis de superar. Na verdade, a dificuldade não é em relação à morte, e sim ao fato de eu ter convivido com ela. Foram anos bem difíceis. Ela era o próprio estereótipo da avó bondosa e querida, por fora. Cabelos todos brancos e cheios, bochechas rosadas, os beijos estalados nos rostos dos netos. Mas não era bem assim, não. Em verdade vos digo, meus amigos. Passei maus bocados com vovó... na frente de meus pais, era um anjo. Eles saíam de nossas vistas, o jogo virava. Qualquer coisa que eu fizesse ou falasse recebia punição. Eu não ia para a casa dela todos os dias, mas geralmente passava os fins de semana lá. E quase todo fim de semana acabava preso na despensa como castigo por alguma travessura que eu fazia. E ficava horas lá. Ela me olhava com um olhar duro, enviesado. Sempre com uma faca na mão. Não a brandia para mim. A faca apenas ficava lá, acompanhando aquele olhar pavoroso. Como se dissesse: "se contar para alguém, já sabe". Eu sabia. Não eram necessárias palavras.
Pois bem, um dia ela morreu, após meses internada em um hospital. Não sei nem de que. Morreu, simplesmente. Não posso negar que recebi a notícia com certo alívio, por mais hediondo que deva ser ouvir isso da boca de um neto. Meus pais sequer imaginavam. Nunca tive coragem de contar nada. E eles nunca desconfiaram. Não havia agressão física. Ela apenas me arrastava para lá e para cá, como um saco de batatas. Eu não tinha coragem de reagir. Tinha certeza de que me mataria se eu fizesse alguma coisa. Ou mataria meus pais, talvez. Eu sentia isso. Eu lia isso em seus olhos. Mas um dia ela morreu. E o martírio terminou. Anos se passaram. Uma noite, já com 16 anos completos, caminhando com minha mãe em frente a uma grande loja que vendia móveis rústicos, vi uma cadeira de balanço na calçada, do outro lado da rua. Não estava muito claro, mas vi perfeitamente que havia um boneco em tamanho natural na cadeira. Em tudo ela lembrava minha avó. Nas roupas antigas, o cabelo muito alvo, as bochechas cheias. Apesar de tudo o que passei, senti um ar nostálgico. Diminuí o passo para olhar melhor. E percebi que o boneco me seguia com o olhar. O mesmo olhar duro de minha avó. E o boneco começou a se balançar na cadeira. Só saí do transe quando minha mãe me chamou. Tomei um susto, dei um pulo, eu suava frio, minha mãe ficou preocupada. Olhei para o boneco. Parado, inerte. Morto. Mas eu sabia. Era ela. Onde quer que eu fosse, ela jamais me deixaria em paz.
Um pequeno conto escrito para uma atividade com a temática "Terror".
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Binho Horror Story - Contos de Fabiano Jucá
Short StoryPequenos contos de horror, suspense, fobias, doenças sociais e quitutes que tais. Não espere sentir medo, não é esse o objetivo. São mais textos reflexivos que qualquer outra coisa, mas sempre vindos dos recônditos de uma alma inquieta e sombria.