Ajuda Inesperada.

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Hoje tenho tantas coisas para contar, que talvez eu acabe com toda a tinta da caneta. Por onde começo? Com o sermão que levei da minha mãe logo pela manhã? Foi no meu quarto, enquanto eu arrumava a mochila. Eu sabia que ela não deixaria passar o que aconteceu ontem, o fato de que eu não aceitei a carona do Ryan para o trabalho, ela repetiu o de sempre, que Ryan é o meu padrasto, que gosta de mim e blá blá blá, entrou por um ouvido e saiu pelo outro, fingi estar prestando atenção, concordando e no fim ganhar um abraço apertado e um beijo estalado na testa. Fui para a escola de táxi, tudo para evitar ir com o Ryan, mesmo com a presença da minha mãe no carro, eu me sinto mal, respirando o mesmo ar que aquele monstro.

Aproveitei para resolver o problema com o texto que o professor Grey pediu, eu acabei me descuidando lá na livraria e fiz durante o trajeto até a escola, não escrevi um texto novo, peguei um que eu já tinha pronto, em meu diário, rasguei a folha e enfiei na mochila. Durante o trajeto fui passando para o meu caderno e fui lembrando o motivo de ter escrito o texto, Jamie, escrevi por causa dele, cada palavra, a folha está até meio manchada, por causa das lágrimas que derramei enquanto escrevia. Como eu imaginava, fui a única da sala que tinha feito o texto e ainda tive que ler em voz alta para toda a turma.

Tive que enfrentar a vergonha de ler algo pessoal na frente da minha turma. Respirei fundo e comecei a ler, a sala ficou silenciosa enquanto eu lia, pelo menos até Savannah resmungar alto e me interromper e depois foi a vez do irmão dela e mais uma vez fui interrompida por Savannah e pelas gargalhadas de seu irmão. Savannah fez piada com o meu texto, ela foi repreendida pelo professor, mas eu não me choquei com os comentários grosseiros dela, a encarei e falei algumas verdades para ela, foi libertador, com o meu caderno contra meu peito, encarei Savannah, a deixando vermelha de raiva ou de vergonha. Me senti tão bem falando o que falei. Acabou que ela e o irmão foram expulsos da sala, achei isso maravilhoso, o professor Grey me pediu desculpas pelo que tinha acontecido, coitado, ele nem teve culpa.

Savannah e Julian saíram da sala resmungando e xingando, quando saíram com o professor, o resto da turma começou a rir e a cochichar. Sentada no meu lugar, tive que me virar para pegar um lenço branco na mochila, um lenço para enxugar as lágrimas que estavam começando a se formar nos meus olhos, nesse momento peguei Harry me olhando, durou poucos segundos, mas foi o suficiente para ver seus olhos e ficar constrangida, espero que ele não tenha notado que meu texto é algo pessoal, algo pelo qual eu passei. Tentei me refugiar na biblioteca, mas justo hoje ela ficou fechada, então resolvi ir para o refeitório, o que é muito raro, porque desde que comecei a estudar na Liverpool College, eu não sou de frequentar o refeitório, escolhi uma mesa perto da janela e me sentei, sozinha, com o refeitório lotado.

Já me acostumei com o fato de não ter ninguém naquela escola, de não ter amigos, das pessoas me acharem esquisita, de me olharem meio torto, não me importo, tenho mais com o que me preocupar, com as minhas notas por exemplo, me concentrar nas aulas, gosto de tirar notas boas e não me importo de ser chamada de nerd. Após o fim das aulas mamãe me ligou, para dar uma notícia nada agradável, Ryan me esperando fora da escola para me levar para a aula de balé, não consegui nem falar direito com ela, porque quando olhei para trás vi o Harry, encerrei a ligação praticamente na cara da minha mãe e saí apressada da sala, para tentar fugir de alguma forma da carona do meu padrasto. Mas não consegui, ele acabou me pegando no portão, por puro descuido meu, não tive como fugir dele, ele agarrou meu braço e me pediu para ir com ele, tive que segui-lo até o carro, onde ele praticamente me jogou no banco do passageiro.

O medo tomou conta de mim quando ele entrou no carro e acelerou, pior foi quando ele desviou do caminho e entrou em um beco, fiquei paralisada de tanto medo, achando que ele conseguiria o que tanto queria. Quando ele parou o carro no beco, o ataque começou, tentei me livrar dele na primeira tentativa fracassei e a pulseira do relógio dele arranhou minha coxa, ele acabou dando um chupão no meu pescoço, que nojo, tentei reunir forças dentro de mim, mordi seu braço e dei um soco em sua barriga, na distração dele eu abri a porta do carro e saí correndo feito louca, esbarrando nas pessoas, sem saber para onde ir, com lágrimas embaçando os meus olhos, foi então que esbarrei em alguém e para a minha surpresa era o Harry, eu tinha acabado de derrubar seu copo com alguma bebida, foi tudo para o chão.

Não pensei duas vezes e pedi ajuda, quase sem ar nos pulmões, olhava para trás, para ver se Ryan estava vindo atrás de mim, até Harry olhou e perguntou se tinha alguém atrás de mim, quando eu disse que sim, ele me puxou pelo braço, abriu a porta do carro, tirou a mochila e arremessou no banco de trás e eu entrei, vi que ele deu mais uma olhada, para ter certeza se tinha alguém atrás de mim, só depois entrou no carro e eu caí no choro, quase sufocando com os soluços, não conseguia controlar as lágrimas, com Harry no carro, ele nem conseguiu concluir a pergunta que tinha começado a fazer, deu a partida no carro e saímos, pode parecer loucura, mas eu me senti segura dentro do carro com ele, que parecia dirigir sem destino, talvez se perguntando o que poderia ter acontecido comigo e ele logo saberia.

Apesar de estar me sentindo segura, eu comecei a sentir falta de ar, comecei a me sentir sufocada, pedi que Harry parasse o carro, ele freou e eu saí correndo na direção de uma pracinha, corri até cair de joelhos na grama, a falta de ar foi assustadora, minha visão estava embaçada e os soluços não paravam, Harry apareceu e acabamos indo nos sentar em um banco. Fiquei surpresa por ele ter sentado ao meu lado e perguntado se eu estava bem, no primeiro momento eu não quis falar do assunto, mas ele acabou me convencendo a falar, eu precisava falar com alguém, mesmo que fosse com o cara que me humilha na escola. Eu me abri, contei o que havia acontecido, que tinha sido atacada pelo meu padrasto e que não tinha sido a primeira vez, as palavras saíam tão depressa da minha boca e para o meu espanto, Harry colocou sua mão por cima da minha.

Não acreditei quando vi sua mão sobre as minhas, foi o primeiro gesto de solidariedade que ele teve comigo, na verdade o segundo, com isso não me contive e olhei para ele, para seus olhos verdes, que mostravam uma mistura de raiva, pena e preocupação, implorei para ele não contar nada para ninguém e ele disse que não vai, mas também disse que eu não devo ficar escondendo as coisas da minha mãe, mas se ela souber vai ficar arrasada, porque ela ama o Ryan. Naquele momento, com a mão do Harry sobre as minhas, eu me senti tão segura, pela primeira vez, uma segurança enorme, tinha certeza de que ele iria me defender se Ryan aparecesse, acabei o surpreendendo ao colocar a mão sobre a dele e agradeci, pelo que ele tinha feito por mim, isso o deixou sem graça e achei isso bem bonitinho e surpreendente mesmo foi ele me pedir desculpa pelo tapa que me deu.

Acho que hoje foi o dia das surpresas, tanto para o Harry, quanto para mim, pois ele ficou surpreso por eu confirmar que imaginava que ele tivesse ficado mal com o que tinha acontecido, eu vi nos olhos dele, mas achei que ele tivesse pedido desculpas por ter ficado com pena de mim, mas eu me enganei, ele disse que já queria ter feito isso, dá para acreditar? Foi incrível. Mas sei que tenho minha pequena parcela de culpa, não que justifique ele ter me batido, ter me dado um tapa, ele e eu dissemos coisas um para o outro, como minha língua não aguentou, dei um pequeno sermão nele, foi mais forte do que eu, mas na verdade não foi bem um sermão, só falei o que eu pensava mesmo. Houve uma trégua entre nós e meu coração deu um pulinho quando ele falou o meu nome, foi tão estranho e ao mesmo tempo foi tão bom, o sotaque dele é uma graça e quando ele fica nervoso fica ainda mais forte e eu achei isso extremamente charmoso. Mentira, não achei nada.

Eu não poderia não aceitar seu pedido de desculpas, ele foi sincero, se mostrou preocupado quando pedi para me levar para casa, estiquei meu braço e mostrei o curativo perto do pulso, ele chegou perto de mim, pegou meu pulso e passou o dedo pelo curativo, isso fez com que eu sentisse algo estranho, que até agora não sei explicar. Harry me trouxe para casa, foi bem fácil para ele me trazer, ele achou rápido a minha casa, o agradeci mais uma vez pelo que ele fez por mim e ele foi embora, prometendo não revelar nossa conversa. Me deu um apertinho quando ele foi embora, pois sabia que em algumas horas Ryan chegaria, eu entrei em casa, peguei meu canivete e fiquei sentada na cadeira, do lado de fora de casa, fazendo os exercícios que não fiz na escola.

Fiquei do lado de fora até minha mãe chegar e Ryan chegou em seguida, fingindo que nada aconteceu, que homem mais falso, sujo, nojento, podre! Deus, como eu odeio aquele homem, até quando vou aguentar isso? Quantas vezes terei que molhar o travesseiro? Quantas folhas desse caderno eu vou ter que molhar? Agora Ryan está lá no quarto com a minha mãe e horas atrás ele queria me pegar, me violentar, mas graças a Deus eu consegui escapar e pude contar com a ajuda de alguém que jamais poderia imaginar que fosse aparecer no meu caminho e me ajudar. Dizem que as vezes a ajuda vem de onde menos se espera e hoje tive a confirmação disso e acredito que Deus tenha dado um empurrãozinho também.


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