Adeus Lenoir.

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Lenoir, 1 De Fevereiro.

É com um olá que vou começar, um olá com gostinho de Adeus, estou sentada debaixo de uma árvore, na casa dos meus avós, esperando dar a hora, a hora de me despedir de tudo, a hora da partida, de deixar para trás a minha família. Não me sinto preparada para isso, não sou uma pessoa que gosta de despedidas, se tratando da minha família então, é ainda pior.

Então resolvi pegar um caderno, uma caneta e aqui estou, escrevendo palavras que estão vindo do fundo do meu coração, estou tentando fingir que uma mudança vai ser legal, tudo para não desapontar mamãe, a proposta de trabalho foi boa e sei que ela pensou em mim, nos meus estudos, em me dar uma vida melhor, mas continuo achando que ela poderia me dar a mesma vida aqui mesmo em Lenoir, não do outro lado do mundo, em um país diferente, em um lugar onde não teremos nossa família, onde não teremos ninguém.

Todas as coisas que queremos levar já foram despachadas para a casa nova e minhas malas estão prontas na sala de estar, tenho certeza que estão todos chorando lá dentro, minha família é muito unida, é uma família enorme e nunca fomos de ficar longe um dos outros, não por muito tempo, mas agora vamos nos separar, o cordão umbilical será cortado, ontem já foi uma choradeira só, na festa de despedida, a casa estava lotada, com amigos próximos, colegas de trabalho da mamãe e do Ryan, minhas amigas e amigos, e eu chorei horrores é claro. Vai ser difícil ir embora, vou deixar minha família, as poucas amizades que tenho e meu pai, que morreu quando eu era muito pequena, mamãe e eu costumamos ir no cemitério para colocar flores sobre o túmulo, mas agora vamos ir embora, quem vai fazer isso? Quem? Estou de coração partido e muito triste.

Mas, uma pequena parte de mim, uma pequenina parte está feliz por irmos embora, por causa do que aconteceu comigo há três anos atrás, Jamie, não tem como esquecer o nome e muito menos o que ele fez comigo, eu queria ter me matado, feito algo, ainda não acredito no que ele foi capaz de fazer comigo, achava que nos casaríamos, que formaríamos uma família, como sempre quisemos, Jamie foi o meu primeiro beijo, meu primeiro namorado, foi com ele que eu tive a minha primeira vez, ele era um sonho, um sonho que virou pesadelo, Jamie foi o mais covarde dos homens, sim, ele já era um homem, enquanto eu, eu era apenas uma garota apaixonada, por alguém que jurou me amar, com quem fiz planos, agora tenho que esconder o que fiz, o que aconteceu, por medo e vergonha.

Ainda tem o Ryan, meu padrasto, Deus, como preciso ser forte, para suportar as coisas que acontecem quando mamãe não está por perto, Ryan é sujo, é um monstro, maldito seja o dia que ele e mamãe se conheceram naquela festa na cidade, maldito seja aquele suco que ele derrubou nela, eu não deveria deixar nada acontecer, os olhares, as coisas nojentas que ele fala para mim, nada deveria acontecer, sonho com o dia que mamãe vai descobrir tudo sozinha, tudo o que Ryan já fez comigo, o que ele já tentou, porque uma vez ele quase consegui o que queria. Ryan deveria me tratar como uma filha, mas não é assim que ele me vê, eu poderia contar tudo, mas não consigo, tenho medo e sofro ameaças, o que me resta é me defender sozinha.

Eu sei que mamãe está feliz com ele, ela resolveu se dar uma chance, depois da morte do meu pai, ela não arrumou ninguém, então o destino colocou Ryan na vida dela, eles se amam, são felizes, ela está feliz por irmos para outro país, por ter conseguido um emprego melhor, ela quer que eu conheça outra cultura, um país novo, já que nunca saí de Lenoir. Eu não sei o que me espera nesse novo país, nesse novo lar, mas já estou com saudades de Lenoir, saudades da minha escola, dos meus amigos, da minha família, de andar descalça pela grama, montar no Pégaso, ah Pégaso, deixar ele para trás está sendo tão difícil, vou sentir saudade de correr na chuva ou só de sentar debaixo da árvore, assim como estou fazendo agora.

Querendo ou não preciso aceitar o fato de que em algumas horas estarei deixando metade de mim, estarei indo embora do lugar onde nasci, onde cresci, onde falei minhas primeiras palavras, onde dei meus primeiros passos, onde vivi uma infância boa, apesar da ausência do meu pai. O que tenho feito nesses últimos dias é rezar, só rezar, pedir para Deus proteger a mim e a minha mãe, que possamos continuar juntas, unidas, amigas, como sempre fomos, que eu possa me adaptar no nosso novo lar, pelas fotos que vi, é uma casa bem bonita, meus tios cuidaram de tudo isso, casa, o transporte das coisas que queríamos levar, ajudaram com a minha matrícula na escola nova, enfim, ajudaram com tudo, cuidaram de cada detalhe, assim como cuidaram de nós depois da morte do meu pai. Sinto que sou uma borboleta, que preparou seu casulo, que está prestes a sair dele e vai sair quando chegar na Inglaterra. Que Deus nos guie e nos ajude nesse novo caminho que vamos fazer.

Hamily - O DiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora