FRANKIE VIU MATTHEW NO REFEITÓRIO várias vezes na semana
seguinte, sentado em uma mesa cheia de alunos do último ano; mas era
impossível para uma aluna do segundo ano ir até uma mesa dessas só para dar
um oi na frente de todo mundo. Uma vez ele passou correndo por ela no pátio,
vestindo seu uniforme de futebol com um par de chuteiras pendurado numa das
mãos. "Atrasado!" ele explicou, abrindo um sorriso, olhando por cima do ombro
e saltitando na direção do campo.
Ah, e ele tinha pernas lindas.
Será que ele não estava interessado, no fim das contas? Frankie ficou
pensando enquanto via ele se afastar. Será que ela era nova demais para ele?
Será que ele tinha deixado de gostar dela quando ela falou sobre o brinquedo
dos Piratas do Caribe com o Dean?
Ela passou a semana inteira tentando não pensar nele, estudando de verdade
para as aulas. No fim de semana ela foi à cidade com Trish e Artie, e eles
jogaram uma partida de ultimate frisbee.
No começo da segunda semana de aula, entretanto, Frankie trocou o latim por
uma eletiva chamada cidades, arte e protesto, que parecia mais divertida. A aula
era ministrada por uma professora chamada srta. Jensson. Ela era nova na
Alabaster e usava cardigãs de lã bordados e saias esquisitas. Ela tinha feito
mestrado em história da arte na Universidade Columbia, e disse para todo mundo
que tinha vindo a Alabaster para fugir de Nova York— mas estava gastando um
tempão discutindo isso em aula. Que ironia.
Foi a primeira vez que Frankie pegou uma matéria que não podia ser descrita
em uma única palavra: francês, biologia, latim, história. A srta. Jensson falava
sobre as diversas concepções de cidade, e como cidades que se desenvolvem
organicamente se diferenciam de cidades menores e mais planejadas, como o
próprio campus da Alabaster. Os alunos liam sobre crítica arquitetônica, a
história de Paris, e estudavam o pan-óptico — um tipo de prisão projetada por
Jeremy Bentham, um filósofo do final do século XVIII/ começo do século XIX,
que nunca chegou a ser construída.
A arquitetura do pan-óptico de Bentham foi planejada para permitir que um
vigia observasse todos os prisioneiros sem que eles soubessem se estavam ou não
sendo vigiados — o que dava a eles a sensação de serem constantemente
observados por um ser onisciente.
Em outras palavras, todo mundo no pan-óptico sabia que poderia estar sendo
observado a qualquer momento; então, no fim das contas, só o mínimo de
vigilância era necessário. O pan-óptico criaria um senso de paranoia tão
profundo que seus habitantes se tornariam praticamente autônomos.
Então, a srta. Jensson fez os alunos lerem um trecho de um livro chamado
Vigiar e punir, em que Michel Foucault usa a ideia do pan-óptico como uma
metáfora para a sociedade ocidental e sua ênfase na regulamentação e
observação. Ele quis dizer que vivemos nossas vidas em lugares que funcionam
como o pan-óptico. Escolas. Hospitais. Fábricas. Escritórios. Até as ruas da
cidade.
Alguém está observando você.
Ou alguém provavelmente está observando você.
Ou você se sente como se alguém estivesse observando você.
Então você segue as regras, quer alguém esteja observando você ou não.
Você começa a pensar que quem quer que seja que esteja observando você é
superior. Que o observador sabe coisas sobre você que você nunca disse a
ninguém.
Mesmo se o observador for uma pessoa idiota, como o diretor de um colégio
interno.
Ou um estudante de dezoito anos.
Ou uma garota de quinze anos fingindo ser um estudante de dezoito anos.
É uma paranoia sistemática. Tipo, é como quando você tem aquela sensação
esquisita de que seu pai sabe que você bebeu aquela cerveja, ainda que você a
tenha bebido quatro dias atrás e não haja a menor evidência de que ele saiba de
fato.
Ou quando você está sozinha em casa e vai usar o banheiro e tranca a porta
mesmo assim.
Ou quando você tem um namorado novo e está sozinha no seu quarto e enfia
o dedo no nariz — e daí você pensa em como foi nojento, e como, de alguma
forma, o seu namorado deve ter visto e agora ele vai largar essa futucadora de
nariz gosmenta que você é na próxima vez que te encontrar. E você meio que
consegue ouvir a voz da sua vó na sua cabeça, lembrando você a usar um lenço.
E aquela garota popular horrorosa... você consegue ouvir a voz desagradável
dela na quinta série, quando ela pegou você limpando uma catota embaixo da
carteira e te chamou de "comedora de catota" pelo resto do ano, mesmo que se
você estivesse comendo suas catotas obviamente não estaria limpando embaixo
da carteira pra começo de conversa.
Então, não é uma questão de você enfiar o dedo no nariz porque quer, ou
deixar de enfiar porque está cheio de germes. Você está tendo um debate mental
com todas as forças que podem estar observando você e a condenando pela sua
futucada (potencial ou real), apesar de racionalmente saber que ninguém está te
vendo.
Isso é o pan-óptico.
Cidades, arte e protesto era muito melhor do que latim. Frankie adiantou toda
a leitura.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Histórico Infame de Frankie Landau-Banks (E.Lockhart)
Novela Juvenil***** Aos catorze anos, Frankie Landau-Banks era uma garota comum, um pouco nerd, que frequentava a Alabaster, uma escola tradicional e altamente competitiva. Mas tudo muda durante as férias. Na volta às aulas para o segundo ano, o corpo de Frank...