Por incontáveis vezes aquele cara me olhou; o seu bigode negro recebendo o contato gélido da segunda cerveja. Ele ainda tinha a mesma postura usada quando fez seu pedido, os seus braços e pernas estavam caídos na cadeira em total relaxamento. A cada pequeno gole, como se estivesse adiando o momento de sair do Sanchez, a sua nojenta língua colhia um vestígio de líquido que pulava para a parte superior de seus lábios. Eu sentia repulsa em olhá-lo, mas era quase inevitável me sentir confortável com alguém me espionando por cerca de uma hora e meia.
Eu fiz o meu caminho para a cozinha quando Tracy me chamou. O meu corpo deslizou pela porta de madeira escura e adentrou na ala das panelas. Recomendações sobre levar a sopa de um velho ansioso e caquético me foram dadas. Não houve mais que uma troca de ordens até eu sair com o pedido em uma bandeja de material brilhante. Mais uma vez eu estava caminhando próximo demais em direção ao cara nojento, e mais uma vez ele me olhava como se pudesse me despir bem ali.
A tigela vermelha e talheres foram deixados sobre a mesa do senhor mal educado. Ele jogou algumas reclamações e, em seguida, começou a tomar sua sopa enquanto eu me virava e rolava os olhos voltando à minha antiga posição atrás da bancada. Eu estava completamente cansada daquela vida de garçonete. O meu destino seria trabalhar em algo maior ou cursar uma faculdade. No entanto, para uma recém-chegada em Sydney, o máximo que encontrei fora um emprego no bar espanhol e popular em quase toda a Oceania.
Enquanto retornava com a bandeja, eu senti um atrito contra a minha coxa direita. Meu olhar correu para lá, e os dedos gélidos do homem de bigodes puxavam a barra do meu avental, fazendo com que a minha saia fosse junto no movimento. Eu não tive pena dele quando mandei meu punho fechado de encontro às costas da sua mão. A voz rouca gemeu algo em protesto, e eu sorri e andei mais rápido para a cozinha. Mesmo que vinte minutos ainda me prendessem no meu expediente, eu choraria aos pés de Rose Sanchez para ir embora. Sim, eu tinha de sair antes que meu autocontrole fosse para os ares, e eu saísse em disparada até o homem e o deixasse com marcas roxas por longas duas semanas.
― Por favor, Rose. ― a minha expressão era um misto de agonia e súplica. As minhas duas mãos estavam juntas como se eu rezasse à espera de uma afirmativa da filha do patrão. Rose era doce e alegre, então eu não precisaria exibir um espetáculo para ser liberada alguns minutos mais cedo. ― Por favor.
Ela parou os afazeres no escritório, deixou algumas propostas de fornecedores sobre a mesa e pôs suas mãos entrelaçadas em cima dos papeis. O seu semblante estava complacente quando ela me olhou.
― Tudo bem, Demi. ― o seu sorriso tranquilizou as hipóteses de uma futura demissão.
― Oh, muito obrigada.
Alguns classificariam o ato de sair em disparada como fora das normas de ética, no entanto, para mim, significava que eu teria mais tempo para juntar minhas coisas, retirar o avental e me mandar para casa. O trajeto até o subúrbio de uma das maiores cidades da Austrália era longo, infernal se comparássemos ao número de transportes lotados que eu teria de tomar.
― Desculpe. ― o meu corpo bateu contra alguém que transitava pela calçada do bar. Eu estava tão distraída em retirar o meu broche, que eu mal notei a presença do garoto com fones de ouvido em alto volume. Ele me encarou vagamente, e os seus olhos eram azuis como preciosas safiras.
Minutos mais tarde, eu estava abrindo o zíper da minha bolsa e socando o pequeno identificador com o nome Demetria em letras gritantes. Apenas dois quarteirões me separavam do ponto de ônibus.
A temperatura fria de outubro atingiu o meu rosto e braços. Eu ainda mantinha o agasalho para emergências em algum lugar. Parando os meus passos na calçada, eu abri a minha sacola e vasculhei entre as bobagens, o meu cardigan cor de gelo. Ele era o meu único protetor para a brisa que costumava se intensificar a partir das vinte horas. Quando o encontrei submerso por produtos de beleza e panfletos de lojas, eu rapidamente o vesti de forma desajeitada enquanto manuseava as minhas duas bolsas com apenas uma mão.
― Fique quieta. ― eu ouvi a voz masculina, mas eu não tive tempo de argumentar ou olhar para trás. Braços me aprisionaram com força, a minha cara foi sufocada por um tecido macio, e encharcado de um líquido que logo me fez amolecer. Em instantes eu estava me debatendo em busca de uma saída, para depois me deixar levar pela sensação de desgaste e sono.
Quando eu finalmente pude despertar, os meus olhos identificaram um local totalmente diferente. O meu corpo deitado remexeu-se sobre algo fofo, eu me apoiei nos cotovelos e olhei à esquerda, avistando janelas com cortinas brancas e esvoaçantes. Antes que eu pudesse checar o restante do ambiente, um timbre me fez guiar o meu olhar para frente.
― Seja bem vinda. ― ele disse. Eu conhecia aquele homem. Ele havia visitado incansavelmente o meu trabalho nos últimos dois meses. ― Eu espero que goste de sua nova casa.
Casa?
Ele estava incrivelmente enganado ao pensar que eu viveria neste lugar.
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Hunt
FanfictionQuem via Liam Payne com sua expressão séria e traços fortes, jamais imaginava que por trás de um homem de negócios, houvesse alguém decidido a fazer qualquer coisa para ter o que desejava. Refém de uma necessidade intensa, ele não mediu esforços ao...