CAPÍTULO 3: BEATRICE.

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Não há muito o que falar sobre a noite anterior. Eu estava ferida, fisicamente, mentalmente e emocionalmente, me senti sozinha. Ali na sala, debruçada no piano, com sangue entre as pernas e lágrimas no rosto, minhas pernas tremiam, minhas costas doíam como a morte e, juro que senti que jamais iria sorrir novamente...

Mas isso não acabaria ali.

Me levantei com dificuldade, agarrada aos móveis, passei da sala ao corredor, segurei no corrimão e subi as escadas com o coração dolorido. Entrei no banheiro, retirando as roupas rasgadas e manchadas de sangue, para descer a saia eu tive que dobrar as costas, eu quis gritar, mas não, não gritei, entrei na banheira meia vazia, de água morna e comecei a jogar água acima dos ombros, cabeça e corpo. Eu mal conseguia lavar minha intimidade, pude ver a água ficar rosada, saí imediatamente.
Eu me sentia uma velha, com a coluna ferrada e agarrando nos móveis para se locomover. Entrei no meu quarto, tranquei a porta e me joguei na cama. Me cobri e chorei, chorei como nunca havia chorado antes, adormeci.

Fui acordada com leves tapinhas de uma criada negra chamada Olga, de cabelos curtos prendidos em um turbante branco, possuía quadris largos e seios fartos, era um pouco gorda e corcunda, mãos grandes e pés pequenos, usava um vestido azul claro e um avental branco manchado de café. Olga sempre fora gentil comigo, ela sabia sobre meus gostos e não me julgava, sempre me contando histórias sobre sua família, suas saudades, suas dores, chorávamos as pitangas uma da outra e eu a considerava mais mãe do que a minha própria, eu a amava.

-Não vai se atrasar hoje, hein. -Disse em tom suave.

-Ah, Olga...o que eu faço sem você...? -Respondi com sono enquanto me levantava devagar, minhas costas estavam muito melhores e eu não estava mais sentindo minha vagina arder como se tivesse um rasgo enorme nela. Poupo os detalhes, me arrumo para a segunda aula da academia, confesso que estava com medo do que estava prestes a aprender. Ignorei a existência de minha família na casa, mal comi, me despedi de Olga antes de descer as escadas e pude ver minha mãe nos observando da porta do quarto dela, me olhava com desprezo e olhava Olga com mais ainda. Desci as escadas de maneira tão rápida que não fui vista pelo meu pai, ainda bem, hoje era um novo dia e eu estava dando o meu melhor para esquecer a noite anterior.

A manhã estava fresca, as árvores estavam úmidas por conta do orvalho e o sol refletia as gotículas numa perfeição indescritível, a brisa gelada do ar fez meu nariz ficar avermelhado e meus olhos semicerrarem, meu cachecol branco balançava em meu pescoço e eu ouvia somente o som da natureza e de meu salto pisando na calçada, todos os dias eu prestava atenção naquela paisagem, acompanhava as mudanças e as estações, lembrei-me da infância, é...eu sequer imaginava o que iria acontecer no futuro, pelos deuses...eu era tão inocente...

Chego no portão da academia, antes tão iluminada e alegre, agora parecia um cenário gótico e mórbido que se eu não conhecesse de anos, não entraria nem que me pagassem. Os portões de ferro enferrujado rangiam em conjunto com a velha madeira das paredes, o concreto sujo com cocô de pombo e as cortinas meio bagunçadas que por conta do forte vento do dia, estavam para fora. Adentro devagar, como se fosse a última vez que eu o faria, prestei atenção em todos os detalhes e, nunca havia notado a presença de cogumelos por todos os lados nos canteiros de flores mistas, no gramado e na casca das árvores. Deve ser por conta dos esporos deles que a Madame Pliè não parava de tossir.

Estou eu andando na direção da sala quatro, já tirando meu cachecol do pescoço e o entrelaçando na bolsa, retiro meu casaco e, ao entrar na sala, coloco a bolsa de lado, retirando minha saia e colocando em cima dela. O Sr. James entra na sala vestindo um terno preto listrado e com uma flor no bolso perto do pescoço. É de se estranhar.

-Vejo que a dor passou, pois bem, quero que se deite no chão de barriga para baixo.

Assim que o escuto, vou para o centro da sala, me abaixo, seguindo a comanda.
Feito isso ele agarra meus dois pés e os empurra para minhas costas, foi doloroso mas nem tanto, em seguida ele os empurra ainda mais, dessa vez alcança a cabeça, isso dói mais que o anterior mas eu não consigo gritar na posição em que eu estava. Eu era praticamente um rolo humano.

A aula acabou, nada de novo além de, Beatrice não aparecer novamente. Tento não me preocupar, embora soubesse que não poderia fazer nada a respeito, os pais dela me repudiavam agora.

Vou para casa em silêncio, com o pensamento em Beatrice e sem perceber...sem perceber o estranho que me seguia.

Charlotte Onde histórias criam vida. Descubra agora