Noite fria, o bar estava quase vazio, minha amiga Beatrice estava bêbada e meus amigos Gus e Aaron estavam fumando do lado de fora, Jeanine era loura, magra porém sem curvas, enquanto Beatrice era dona de lindas ondas ruivas e era um pouco mais robusta que Jeanine, possuía quadris largos e mãos delicadas, mãos que agora acariciavam o copo de whisky vazio manchado com batom, Beatrice era linda. Eu a observava com a pouca consciência que me restava, todos haviam bebido demais, havíamos combinado ir ao teatro, mas não nos deixaram entrar com o Gus porque ele é negro, Gus ficou chateado, apesar de já ter previsto isso, decidimos ir ao nosso bar costumeiro, ninguém nos discriminava, todos nós éramos aberrações lá.-Um último brinde ao maldito teatro, que ele queime em...hic! Em chamas! Hic! - Disse Beatrice aos soluços, ela já estava com sono, dava para perceber.
-Um brinde! -Jeanine e eu gritamos em uníssono.
Me levantei para ir ao banheiro, ele ficava ao lado do balcão, poxa. O bar estava tão vazio que nem mesmo o garçom estava lá. Abri a porta de madeira leve e gasta, mesmo sendo um bar humilde, o banheiro não fedia como os bares mais frequentados da cidade. Levantei a saia preta rodada que estava vestindo, ajustei a dobra da meia calça e me virei para olhar no espelho; eu não era uma beldade, não era dona de belos olhos azuis ou lábios extremamente carnudos, mas minhas feições eram finas e simétricas, simetria, eu adoro essa palavra. Coloquei minha pequena bolsa de couro preto no balcão ao lado da pia, retirei um batom vermelho e retoquei, eu queria chorar, os deuses sabiam as minhas futuras intenções daquela noite, mas eu sabia que poderiam me perdoar, eu não estava prestes a fazer nada de errado. Dei uma última olhada, guardei o batom, ajeitei a franja macia de meus cabelos enegrecidos e saí do banheiro.
Beatrice e Jeanine me esperavam na porta.
-Até que enfim! Eu precisava usar o banheiro. -Disse Jeanine em tom de desespero enquanto adentrava o banheiro com pressa.
Beatrice e eu caminhamos até a porta do bar, os meninos ainda estavam fumando e rindo, não havia mais ninguém nas ruas. Decidimos dar uma volta, deixamos Gus e Aaron conversando e começamos a andar pelas ruas mal iluminadas, o chão seco da calçada e o ar úmido da madrugada nos deixando com um pouco de frio. Ao lado da calçada, perto de um poste com a pintura descascando, havia um pequeno arbusto de flores amarelas, bem, eu não estava sóbria o suficiente para conseguir lembrar o nome, mas eram lindas. Beatrice animada pegou um dos raminhos e delicadamente o cheirou, no mesmo instante ela vomitou, deixando o ramo cair, eu queria rir mas meu coração dizia que era errado. Eu coloquei meus braços em seus ombros enquanto colocava tudo pra fora, foram longos e agonizantes segundos vendo aquela cena. Beatrice se ergueu cansada, olhou para os flores e segurou o vômito novamente. Virei seu rosto e voltamos a andar, eu poderia ter puxado assunto sobre aquele arbusto mas ela interrompeu o silêncio com as mais belas palavras.
-Cheiro de merda aquilo tinha.
Eu ri alto e ela também, jurei que iria voltar para fazer um buquê e deixar na porta do Sr. James, nosso professor careta de balé e ela deu ainda mais risada. Era um momento que eu não queria que passasse.
-Ei! Espere! -Gritou Gus ao lado de Jeanine e Aaron enquanto tentavam nos alcançar, estávamos todos cambaleando pelas ruas, bêbados e indignados com o acontecido, mas já estava tarde e praticamente ainda éramos crianças, crianças com pais preocupados, nos despedimos, separamo-nos e cada um cursou seu rumo, Beatrice morava na mesma rua que eu e crescemos juntas, então combinamos de dormir na casa dela.
-Shhh, vai acordá-los... -Sussurrou Beatrice enquanto nos dirigíamos ao seu quarto na ponta dos pés. Subimos as escadas em silêncio, risadinhas foram inevitáveis mas nada alto o suficiente para acordar os pais dela. Abrimos a porta de seu quarto e ela entrou aliviada, se jogando na cama e tirando os sapatos com os pés. Eu joguei minha bolsa numa poltrona perto da porta e desmanchei o penteado, arranquei dois grampos e deixei na penteadeira dela, o quarto de Beatrice contava com uma decoração delicada, bonecas de porcelana em prateleiras, móveis brancos e tapetes felpudos e paredes cor de rosa pastel com flores brancas, sua cama possuía babados e dezenas de ursinhos que ela jogava no chão quando ia dormir. No criado mudo ao lado da cama havia um abajur com coelhos desenhados, fazia 6 anos que ela não ligava, sua mãe costumava lhe contar a mesma história até seus 10 anos, quando ela foi embora e o abajur deixou de ser usado, eu sabia que Beatrice sentia falta da mãe, mas também contava com um ódio pelo abandono. Não fazia sentido, ela amava a filha, eu nunca entendi, mas enfim.
Beatrice se levantou com calma e saiu do quarto, fora tomar banho. Enquanto isso retirei minhas roupas e procurei por pijamas na cômoda dela, os deixei em cima da cama e, nua, entrei no banheiro com ela, tentamos fazer o maior silêncio possível mas não pudemos evitar rir ao ver o vaso de flores amarelas em cima da mesa de canto do banheiro. Após o banho nos vestimos e ambas deitamos na cama, nos olhamos entre os lençóis grossos e afrescurados.
-Lotte...? -Beatrice sussurou.
-Hmn...? -Respondi com sono.
-Eu estaria pecando se dissesse que te amo?
Confesso mentalmente que essa pergunta imediatamente me tirou o sono.
-Eu estaria pecando se dissesse que te amo? -Respondi com a mesma pergunta, Beatrice sorriu sem responder.
-Pois é, somos duas pecadoras e esse é o nosso segredo. -Completei o silêncio com o som de um beijo. O primeiro.
Não preciso dizer o que aconteceu depois, é fácil imaginar, após isso adormecemos.