Seja bem-vinda ao Serviço de Proteção da Terra, senhorita Vernon

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Era um labirinto. Um labirinto cheio de agulhas. E eu tinha que entrar nele e achar a saída. Eu não podia ter nenhum contato com as agulhas. Câmeras me vigiavam e sensores iriam denunciar se eu atingisse alguma. Barulhos irritantes e altos eram usados para tentar me desconcertar, a iluminação era precária, alguns caminhos eram tortuosos e estreitos. E para melhorar o cenário, o chão era liso e escorregadio.

Eu não sabia quanto faltava para o labirinto acabar, mas tinha quase a certeza que seguia pelo caminho certo à saída. Eu deveria estar ali há uns vinte minutos caminhando tanto rápido para chegar logo ao final quanto devagar para não escorregar e ir de encontro a umas centenas de agulhas. Sentia gotas de suor escorrer por minhas têmporas e minha roupa, que era um macacão especial para atividades físicas e combate, estava grudada ao corpo. Minhas pernas doíam por causa das dezenas de testes aos quais eu já havia realizado ao longo desses meses e eu não sabia se haveriam mais deles por vir. Minhas pernas, pés, resto do corpo, mente e alma torcia para que não. Eu estava exausta.

Madrugada passada eu fui tirada da cama por um chamado para estar no centro de testes em uma hora e quando cheguei lá era um teste que simulava sobrevivência na selva. Eu e outros jovens entramos em uma sala cheia de camas, onde aparelhos eram ligados em nós e algo injetado em nossas veias para que dormíssemos enquanto fios eram colocados em nossas têmporas e a máquina nos levava a simulação. Nossos corpos podiam estar deitados em uma cama confortável e macia enquanto nossa mente passava pela simulação, mas quando acordávamos tudo o que passamos pelo teste era sentido seja fisicamente ou emocionalmente. Tanto que o tão temível e metido a valentão Carlos acordara chorando feito um bebê e chamando pela mãe dele. Se eu não estivesse me segurando para não derramar uma lágrima pelos vários cortes imaginários que meu corpo sofrera, eu juro que teria rido dele.

O teste tinha durado o resto da madrugada e o dia inteiro. Quando cheguei a minha casa às onze da noite só pensei em dormir. E então às cinco da manhã eu já recebia um chamado para treinamento e teste. E cá estava eu, em uma possível tarde ensolarada trancada em um centro de testes em um labirinto cheio de agulhas de tamanhos diversos, inclusive anormais.

Virei à direita e dei de cara com um caminho mais estreito e sinuoso que o normal. Segui por ele e depois de umas cinco curvas, uma última parecia formar um círculo. Parei. Eu poderia tanto encontrar a saída quanto uma linda parede de agulhas bizarras na minha frente agora. Respirei fundo, enquanto um barulho de vários tipos de sirenes possíveis tocava e me ensurdecia. Fiz esse caminho mais devagar que o normal e o final dele era... A saída.

Quando me vi livre de todas aquelas agulhas, corri até a porta que indicava a enfermaria, entrando lá e me jogando na primeira cama disponível. Alguns colegas estavam por ali também e enquanto uma médica checava meus sinais vitais eu reparei em uma garota que era da minha classe de Matemática com o braço cheio de agulhas e um garoto que morava na minha rua inconsciente e com marcas de furos pelo corpo. Agradeci mentalmente por ter deixado todas as agulhas no labirinto mesmo.

- Alice Vernon? - Uma mulher fardada do SPT parou ao lado de minha cama. Ela era de estatura mediana, sua pele alva e seus olhos eram levemente puxados. Seus cabelos negros estavam presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça e sua identificação estava presa a sua roupa, do lado esquerdo do peito, com seu sobrenome. Takeda.

- Sim. - Falei sentando de imediato.

- A senhorita estaria bem o suficiente para me acompanhar? - Ela questionou seriamente. Eu ignorei o protesto de minhas pernas doloridas, levantei da cama e segui-a até a saída da enfermaria, caminhando por um corredor até o elevador. Quando entramos no elevador, ela pediu para ir até o último andar e enquanto o mesmo se movia ela não saiu de sua postura ereta e nem dirigiu uma palavra para mim.

Quando o elevador parou e abriu as portas, revelou-se uma sala que era parecida com um tribunal, mas eu sabia que era onde os avaliadores davam notas e discutiam sobre os concorrentes a ingressarem o SPT. O local estava cheio e a mulher me acompanhou pedindo para posicionar-me diante a grande bancada, onde um dos Comandantes do SPT se encontrava sentado no meio da mesma, deixando-me de costas para o resto das pessoas presentes na sala. Todos fizeram silêncio quando eu me posicionei ereta, de cabeça erguida e braços colados ao lado do tronco.

- A senhorita passou por muitos testes durante esses meses... - O Comandante falou enquanto tocava uma prancheta digital em sua mão. A tela que se encontrava acima da bancada foi ligada e minha ficha de inscrição foi exibida nela. - Alice Vernon.

Então a tela foi preenchida com cada resultado de todo tipo de teste que já havia feito até aqui. Minha saúde era mais que ótima, meus genes não apresentavam nenhuma deficiência testada, meu teste de inteligência atingiu 90 pontos de uma escala de 0 a 100, meu psicológico era acima das expectativas para um ingressante do SPT e conseguira realizar todas as provas físicas, só que não tinha nenhuma nota ali, apenas avaliações escritas.

- Completou o teste de escalada em 35 minutos? - Uma voz masculina exclamou surpresa. - O recorde não era 39 minutos senhoras e senhores?

- Recorde? - Uma voz feminina questionou.

- Sim, era o meu recorde. - A voz masculina respondeu. - Vemos que a garota não herdou a falta de agilidade do pai e do irmão para com a altura.

- Mas ela herdou uma coisa importante Carson. Superar você. - Ouvi a voz do meu irmão de algum lugar dali. Algumas pessoas riram e logo se calaram. Enquanto um ou outro fazia uma observação sobre minhas avaliações.

Minutos se passaram e a tela foi desligada. O Comandante olhou para sua prancheta e depois me fitou, anunciando em voz alta:

- Com noventa e sete por cento de aprovação como resultado de todos os testes... Seja bem-vinda ao Serviço de Proteção da Terra, senhorita Vernon.

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