Vinte

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As mãos que seguravam meu cabelo para trás eram de Benjamin e quando eu ergui minha cabeça pude ver Tamara revirando o armário que ficava embaixo da pia e retirando uma toalha de rosto, umedecendo-a logo em seguida. Ben largou meus cabelos, parecendo tomar cuidado para que nenhum fio caísse no meu rosto e Tamara estendeu a toalha cuidadosamente dobrada em minha direção.

Eu peguei a toalha e passei por todo meu rosto, ouvindo mais uma vez a torneira sendo aberta. Então um copo cheio de água surgiu na minha frente, mais uma vez oferecido por Tara e eu o peguei, observando minhas mãos um pouco trêmulas agarrarem o copo. Enchi a boca de água e cuspi algumas vezes dentro do vaso, até sentir o gosto da bile se esvair da minha boca. Tara e Ben apenas aguardavam silenciosamente. Eu devolvi o copo para Tamara, abaixei a tampa do vaso e sentei, me encostando na parede oposta. Os dois se juntaram a mim, Tara ao meu lado esquerdo encostando seu ombro ao meu e Ben do meu lado direito, mantendo certa distância.

- Você acha que tudo isso é mesmo verdade? – Ben perguntou com certa hesitação na voz.

- Benjamin! – Tara exclamou ao mesmo tempo que se inclinava para dirigir um olhar mortal para seu irmão.

- O quê? – Ben deu de ombros. – É uma boa pergunta para se fazer no momento.

- Não, não é. Esse é o momento de você fingir que está ignorando tudo e ficar calado.

- Isso tudo é meio difícil de ignorar, Tara. – Minha voz saiu um pouco rouca e eu limpei a garganta. – Afinal, vocês dois estão aqui, não sei onde, por minha causa. Seu irmão está certo de não ignorar nada.

- Você não tem culpa!

- Eu acho que tenho sim. Você acha que estaria aqui se não fosse por mim? – Questionei e a olhei. – Não. Vocês estariam seguros, longe dessa bagunça toda.

- Cale a boca. Não vejo um lugar melhor para estar nesse momento. – Ela cruzou os braços e olhou ao redor. – Tudo bem que poderíamos não estar dentro de um banheiro, mas você acaba de receber umas notícias bem pesadas do seu tio morto. Então me desculpe se eu não me importo em estar do lado de uma amiga em não sei onde, não "protegida" – descruzou os braços e fez aspas com as mãos – e tudo mais, seja essa bagunça o que for.

Não falamos nada por um tempo. E por mais que eu estivesse me sentindo uma bagunça por dentro, uma coisa era certa, respondendo à pergunta anterior de Benjamin... Eu não conseguia achar que isso tudo era verdade. Não, eu não achava. Eu tinha certeza. Porque repassando todos os anos até esse mesmo momento tudo parecia fazer sentido agora. Pensamentos de uma Alice criança e todas as versões depois desta se misturavam na minha mente, junto com os vários momentos e sentimento de que alguma coisa parecia fora do lugar. Sem contar de partes de conversas estranhas que eu já tinha ouvido atrás de portas fechadas na minha própria casa.

Eu nunca me senti bem na minha própria casa. Memórias transbordavam na minha mente. Noites de inverno que eu passava na biblioteca, com um livro próxima a lareira enquanto minha avó me fitava com olhos lacrimejantes sentada em uma poltrona próxima. Nessas noites, ela bebia vinho demais e começava a falar de Elisa. No dia seguinte sua máscara fria estava de volta e era como ela nem se lembrasse do que fizera, mas naquelas noites... Como eu nunca me questionei sobre nada disso?

Carlos nunca me deu motivos para questionar sua paternidade, nós sempre fomos próximos, mas eu deveria sentir que algo não estava certo. Não deveria? E Julian sempre foi Julian, não me surpreende que por vezes eu me perguntava se ele era mesmo meu irmão.

Agora, Mariana sim, eu deveria ter me questionado. Eu achava que era uma coisa da minha cabeça adolescente, minha mãe implicar tanto comigo. Ela com certeza sempre deu mais atenção para Julian. Mariana era tudo menos maternal comigo.

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