Rua do Guardião, 1118

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        Depois de algum tempo caminhando, Bernardo chega em casa. Um portão verde, com a pintura descascada pelo tempo, um número 1118 com a cor branca no canto superior esquerdo. Ele encaixa a chave e tenta girar, mas não consegue. Tenta uma segunda vez, sacudindo o portão. A fechadura gira milimetricamente, mas não abre. Na terceira vez, ao tentar  de novo, enfim a chave gira. Ao empurrar a porta, um rangido de ferrugem se faz ser ouvido.

        — Onde diabos você estava? Eu tenho que ir pra casa de festas, os técnicos vão chegar pra consertar a iluminação logo, você me atrasou! — uma voz feminina grita de dentro da casa, enquanto o menino fecha o portão.

        — Eu tive um contratempo, Karina — responde Bernardo.

        — A mamãe ligou pra mim e perguntou se você já tinha aparado a grama, aí eu disse que você ainda não tinha chegado e ela me disse pra te esperar.

        — Eu sei, ela me ligou também. Vai logo, mana, daqui a pouco os caras desistem de esperar e vão embora! — exclama Bernardo para a irmã, que anda apressada pela sala procurando o celular. O garoto o acha e o arremessa para a jovem mulher, que o pega e sai pela porta, se despedindo:

        — Tchau, Bernardinho! Volto mais tarde!

        — Não me chama assim, mulher! Que saco! — responde um Bernardo irritado.

        Enfim, sozinho. Fotos pela sala de sua casa. Ele observa todas atentamente, como se alguma resposta sobre tudo o que acontece fosse surgir delas. Na parede próxima a uma porta de madeira, se destaca duas crianças, um pequeno menino e uma menina, visivelmente mais velha que o garotinho, em cima de grandes pedras. Em outra, a mãe está abraçando Bernardo e Karina. Em uma foto separada em cima de uma prateleira, uma foto de um homem com uma câmera na mão. O que fez com que Bernardo sorrisse ligeiramente, ao lembrar do amor do pai pelas fotografias. Depois de se perder nesse breve pensamento, ele finalmente volta para a realidade, enquanto ouve alguém gritar pelo seu nome:

        — Bernardo! Abre logo aqui, amor!

        Ao abrir o portão, surge uma menina baixinha, quase da altura de Bernardo, pele clara, cabelos castanhos lisos, narizinho de batata, seus olhos de cor mel se tornavam levemente maiores e mais chamativos graças aos óculos que usava. Magra, usava uma blusa rosa e um shortinho jeans branco. Seus lindos chinelos cor de rosa contrastavam com o resto da vestimenta.

        — Você pode explicar por que não passou na escola pra me buscar? - a voz da menina sai aguda, em tom autoritário.

        — Eu tive uns problemas na hora de voltar pra casa, Priscila.

        — Ah, tá! Nem vem, tava com alguma outra garota, não tava? Quem é a piranha? - Priscila desfere, furiosa.

        Bernardo fita o nada por dois segundos, e lembra da menina que tinha visto enquanto estava no ônibus. Ri de si mesmo mentalmente, e em seguida da namorada, e diz:

        — Com certeza que tava, uma velhinha que eu vi no busão, que estava me prendendo num engarrafamento sem fim.

        Priscila, antes com raiva, agora demonstrava um misto de alívio e felicidade, e Bernardo percebeu isso.

        — Eu gosto tanto de você, Bê.
       
        — E eu te amo, Pri. A gente vai se amar pra sempre, não vai?

        — Claro que sim, seu bobo!

       Enfim, os dois se sentam. Conversam durante várias coisas durante algum tempo. Priscila fala mais, enquanto Bernardo na maior parte do tempo apenas ouve. Não por ela ser mulher e se estagnar ali o velho estereótipo de que mulheres não sabem a hora de parar de falar, mas pelo fato do garoto não conseguir falar. Ele sabia que qualquer coisa que dissesse a deixaria entediada e desmotivada. Se dissesse que tudo estava preto e branco, ela o chamaria de louco, retardado. Preferia ficar em silêncio, apenas ouvindo. Era um bom ouvinte, pelo menos isso.

        — Você anotou o nome do filme pra eu baixar depois? - pergunta a garota, enquanto entram no assunto de vídeos e filmes.

        — Anotei, espera - Bernardo diz, tateando o bolso e o revirando, procurando um papel. Sente algo, mas ao puxar vê que é apenas outro papel. Logo volta a procurar a anotação, enquanto a garota pega o papel que fora ignorado - um panfleto - e começa a ler:

        — Clínica de reabilitação? Pra quem é isso aqui, Bê?

        Ah, não, que vacilo, pensa Bernardo. Lembrara do homem que entregara o papel no coletivo. Engoliu seco e mentiu:

        — É... pra um amigo.

        — Ai meu Deus! Que amigo? É o Renato?

        — Não, não - fechou os olhos e se ofendeu mentalmente, e prosseguiu — é um amigo da família, ele tá bem mal...

        — Tadinho... tomara que ele fique bem. Olha, eu tenho que ir, mas depois você me fala sobre isso, tô preocupada agora! - diz a jovem menina.

        — Tudo bem, amor - o garoto, agora aliviado, responde e completa — Te amo, Priscila.

        — Tá bom... Já que você vai trabalhar amanhã, a gente se vê no final de semana, tá? Tchau!

        A garota sai, fechando a porta. Bernardo escorrega do sofá para o chão. Sentia-se diferente, estranho. Mas tudo bem. Amava Priscila, estavam a um ano e meio namorando,  era um sentimento verdadeiro.

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⏰ Última atualização: Jun 18, 2017 ⏰

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