ATO 32

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Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo

     — Está aí uma visita que eu não esperava — Dante falava enquanto rabiscava a parede da cela com um pedaço de pedra

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— Está aí uma visita que eu não esperava — Dante falava enquanto rabiscava a parede da cela com um pedaço de pedra. Haviam diversos desenhos feitos por ele, passados por cima dos desenhos que já estavam ali quando fui presa. O garoto estava acabado. Suas vestes rasgadas, e seus cabelos bagunçados fazia dele um esqueleto humano — Como está a minha Petúnia?

     — Melhor do que você — respondi me aproximando — Da última vez que conversamos você me disse que não havia nada lá fora que te interessava. Isso porque tinha o amor da sua vida ao seu lado, mesmo ele não sendo correspondido. Mas e agora? Sem ele você planeja o que?

     — Eu adoro o seu nome, sabia? Ele significa caos. A mulher sagrada que abriu a caixa que liberou todos os males, doenças e desgraças. A caixa de Pandora. Seu nome traz desgraça por onde passa. Já percebeu isso?

     — Não estou aqui para filosofar.

     — Então o que você quer?

     — Eu acho que quero o mesmo que você — rebati a pergunta.

     — Preciso sair daqui.

     — E se eu te disser que consigo a chave? — Dante colocou as mãos na grade, e aproximou seu rosto para escutar melhor minhas palavras — Você me contaria o que sabe sobre o orfanato?

     — Saber do que? Não sei de nada.

     — Não me venha com essa, Dante. O temido lobo que rasteja não sabe de nada?

     — Não — afirmou ele, virando as costas novamente.

     — Uma pena. Eu estava disposta a tirar você daí.

     — Confia mesmo em mim? Como tem certeza que eu não te mataria depois que me soltar?

     — Porque se me matar, aquele lobo ali no corredor vai arrancar sua cabeça.

     — Interessante — sorriu ele — Talvez eu saiba mesmo de algumas coisas.

     — Começando pela filha da Dalva. O que sabe a respeito? — Minhas pálpebras sequer piscavam naquele momento.

     — Ah, ela que te mandou aqui? Poxa, eu estava mesmo me divertindo com nossa conversa.

     — Não estou aqui por ela. Uma coisa leva a outra! A filha que sumiu, as crianças que desapareceram, os registros que encontrei na sessão reservada, tudo faz parte do mesmo caso, não faz?

     — Faz? Será? — Seu sorriso se esticava.

     — Pare de brincar comigo. É coincidência essa conexão? Essas crianças estão aqui ainda?

     — Pode ser que sim, pode ser que não. Meus desenhos ainda estão no lugar que os fiz? A vitrola ainda funciona?

     — Que desenhos? Pare de mudar de assunto!

     — Os desenhos do lobo. Três desenhos. Eles ainda existem?

     — Não, eles foram apagados, obviamente. E é claro que a vitrola está funcionando! Desde quando não está? — Uma crise de ansiedade havia me dominado. Minhas mãos ficaram geladas, meu coração batia mais forte e a respiração intensificava — Porque está perguntando essas coisas?

     — Porque se tivesse dado atenção aos meus desenhos devidamente, poderia ter as respostas que queria, desde o princípio. "O lobo que rasteja te observa, te engolirá, ele enterra e prospera" Gritei esta frase para você aquele dia, mas percebi que eu estava brincando com a pessoa errada, você é péssima com enigmas.

     — Continuo sem entender... — Estávamos muito próximos um do outro quando por fim ele sussurrou: "Vá até os meus desenhos, eles escondem coisas interessantes, depois disso, pare a vitrola"

     Suas últimas palavras foram como um tiro no peito. O que escondem essas coisas, presentes entre nós por tanto tempo? A vitrola? Os desenhos? Eu pensava que já sabia de muito, mas muito depende do quanto eu sabia, e no fim, eu não sabia era de nada. Dante conhece este lugar mais do que ninguém. Com tanta inteligência, ele nunca pensou em fugir. Ao invés disso, preferiu se divertir, brincar de jogar jogos perigosos.

     Levantei no mesmo instante quase aos tropeços. Eu estava sedenta por respostas e disposta a ir até o fim.

     — Você ainda tem tempo, Pandora. Tempo de fechar essa caixa cheia de caos — dizia o garoto enquanto eu me distanciava.

     É difícil explicar, mas existe um sentimento na gente que sabe exatamente quando alguém está sendo transparente. Pode ser um assassino, ou um psicopata. Se ele diz a verdade, algo em nós sabe que aquilo é a verdade. Nem sempre as mentiras são bem-ditas, nem sempre podemos senti-las, mas depois de tantas coisas que aprendi no Insanity Asylum, agora eu sinto tudo.

     O desenho mais próximo estava na sala de Utensílios. Eu mesma havia apagado ele. Chegando lá, naquela parede velha, a única de tijolos, a marca do giz continuava marcada, os borrões da escrita "O lobo que rasteja engolirá todas elas" ainda era visível. As frases seriam o enigma? Olhei em volta, mas não havia nada que me desse alguma pista, se não pelo próprio desenho apagado.

     E então, uma lembrança veio em minha mente.

     Um certo dia, Dante havia descoberto um dos segredos de Petúnia, no qual a fez ataca-lo. Dante se defendeu e Petúnia acabou machucando o braço. Depois ele me contou o motivo daquilo ter ocorrido. Dante havia encontrado uma cabeça decapitada e empalhada por ela dentro de seu saco de acessórios.

     — "Engolira todas elas"...  — repeti aos murmúrios — não é possível.

     Este saco estava próximo dali. Incentivei Petúnia a se livrar daquilo junto com seu passado, mas vi que ela não havia seguido meu conselho. A cabeça continuava guardada, no meio de várias maquiagens e escovas velhas. Juntei toda a coragem que adquiri nesses últimos tempos e a retirei pelos cabelos.

     A imagem daquilo ainda me era assustadora. Os olhos e bocas estavam costurados. Analisando os detalhes, encontrei a pista que eu suspeitava. A costura da boca estava diferente da costura dos olhos, parecia mais desleixada, torta. Com as unhas, rompi as linhas que a fechavam. Retirando-as por completo, baixei a mandíbula da cabeça empalhada e abri sua boca. Um pouco de palha saía do local, junto com um objeto prateado.

     Uma chave de formato estranho caía perto de meus pés. Eu estava completamente em choque. Dante era mesmo capaz de tudo.

 Dante era mesmo capaz de tudo

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II - Rebelião dos IrrecuperáveisOnde histórias criam vida. Descubra agora