ATO 2

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  Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.   

     Meus olhos estavam entreabertos quando um feixe de luz se propagou na cela

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     Meus olhos estavam entreabertos quando um feixe de luz se propagou na cela.

Ergui o pescoço para espiar com cautela o que me aguardava, e nada além de frio e esquecimento. Me levantei com as pernas bambas e a boca seca. Espiei o belo recanto lá fora, coberto por verdes intensos e arvores esdrúxulas de galhos compridos com folhas secas que se libertavam dali para o céu. A fome e o frio vieram me atormentar em seguida.

O lobo não estava mais pelos corredores.

Após um olhar esquivo para as paredes que me rodeavam, enxerguei rabiscos por todas as partes desenhados com pedras dali mesmo. Rabiscos de várias formas, algumas indecifráveis, de traços infantis, provavelmente feito por crianças entediadas, condenadas ao mesmo destino incerto que eu. Levando em consideração a diversidade das artes, não foram poucas que visitaram este mesmo lugar. E quem quer que fossem, meu estomago atrapalhava qualquer tipo de raciocínio que não fosse comestível.

Ajudaria se eu gritasse "socorro" bem alto daquela pequena janela? Talvez não.

De algum modo, pensando em um ponto mais positivo, minhas memorias estavam voltando. Quem sabe com concentração e uma boa refeição não ajudasse a conseguir mais detalhes sobre meu passado, que até então fora apagado da minha vida.

Eu precisava continuar acreditando na minha inocência, mas para isto, precisaria desenterrar mais lembranças. O modo como conheci Luna, dada por um mendigo de rua, não anularia minha sentença aqui, muito menos provaria que não assassinei meus pais.

Antes que pudesse pensar em mais soluções, o portão de cobre no fim do corredor abriu timidamente, emitindo um incomodo ranger metálico. Dali, surgiu mais uma vez o grande lobo, com o focinho no chão, como se farejasse algo importante, mas ao invés disso, empurrava um prato de bordas fundas, contendo um liquido esverdeado, pastoso. Ele se aproximava com cautela para não derramar uma se quer gota.

Ao se aproximar com a sopa mórbida, ainda de cabeça baixa, vi um corte perto do olho esquerdo da grande besta. Corte causado por um violino desprovido de seu dono, despedaçado brutalmente na cabeça do animal, que tempos atrás tentara nos fazer de refeição noturna. Por mais que tentasse agora, eu não via mais aquele lobo como um predador mortal, mas sim como um carcereiro bem treinado.

O prato passou pela fresta por debaixo da porta de grades, possibilitando uma refeição instantânea. Não demorou um segundo até eu mergulhar as mãos sujas no emaranhado de gosma verde e socar goela adentro. De fato, eu estava mais selvagem que um predador, naquele momento. Poderia devorar um elefante inteiro só com minhas mãos.

De coluna curva e vestes lambuzadas, parei de sugar o alimento quando já não se tinha mais nada para sugar. Limpei a boca com o braço e respirei fundo, satisfeita.

— Obrigada grandalhão — Agradeci esticando corajosamente o braço para fora da grade, no intuito de que ele viesse ao meu encontro. E veio. O terrível lobo deu mais três passos até alcançar minha mão. Seus pelos negros eram de uma macies incrível, bem tratados e sem oleosidade. Dava dó de toca-los com uma mão tão suja. Obviamente ordenaram para que me trouxesse algo, caso contrário morreria de fome. E acho que não é a intensão de ninguém aqui me matar, se não já estaria a sete palmos debaixo da terra — Desculpe por termos te machucado aquele dia — continuei — No fim das contas, você só estava sendo leal ao seu dono.

Senti minhas costas esquentarem quando o raio de sol me alcançou. Um leve arrepio percorreu todo meu corpo, me fazendo relaxar. Dali em diante o animal deitou-se o mais próximo possível para receber carinho.

 Dali em diante o animal deitou-se o mais próximo possível para receber carinho

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II - Rebelião dos IrrecuperáveisOnde histórias criam vida. Descubra agora