Capítulo 5

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Sara estava atordoada. Abriu os olhos lentamente sentindo a cabeça girar. A visão embaçada demorou a se ajustar e foi quando percebeu um lugar completamente desconhecido. Assustou-se com a repentina lembrança que teve. Não estava em um sonho, mas era um pesadelo. O medo se instalou poderosamente diante dela. Estava em um quarto escuro com uma janela grande rodeada de grades. Havia apenas paredes e lixo ao seu redor. Uma porta rachada e baixa se estendia diante de si como a chama de uma esperança.

Passou alguns minutos encarando a porta, pensou e repensou sobre o que fazer para sair daquela situação. O coração estava acelerado, queria gritar para alguém a tirar dali, no entanto, simplesmente estancou por alguns segundos. Lembrou o que seu pai sempre falava, agir com cautela. Como poderia fazer isso se temia nunca mais sair dali viva? Abanou a cabeça espantando os pensamentos negativos. Com a respiração suspensa aproximou da porta e escutou uma voz grave falar o nome do seu pai, em seguida escutou passos se aproximando. Andou para trás assustada e acabou caindo no meio do caminho pelo esforço. Lágrimas imediatamente brotaram de seus olhos, por mais que já soubesse, naquele instante tinha certeza do que estava acontecendo. Era o bandido que seu pai havia prendido.

A maçaneta da porta se mexeu, fazendo o coração de Sara acelerar. Um homem grande abriu a porta e a encarou furiosamente. O semblante estava inalterado, mas em seus olhos era possível enxergar todo o ódio instalado dentro de si.

— Você é muito parecida com seu pai - a voz grossa entoou no quarto a deixando arrepiada. Os olhos continuavam fixos, examinando-a lentamente — E é muito bonita! - Provocou passando a mão pelo seu braço. Ela sentiu a repulsa dentro de si e sem perceber o que estava fazendo, tirou o braço de perto, mas ele a segurou com força, trovejando de fúria — Nunca mais faça isso! - A jovem abaixou os olhos e começou a tremer involuntariamente — Não vai demorar muito para seu pai vir. Ele não vai querer deixar sua princesinha morrer, você não acha?

Sara ficou ainda mais temerosa, sabia muito bem o que aquele bandido assassino queria. Vingança! Não suportava a ideia de seu pai vir para aquele lugar. Se isso acontecesse, as coisas poderiam piorar. Estava sem saída. Percebeu o homem saindo pela mesma porta estranha e voltou a respirar, porém, com dificuldades. Encostou a cabeça na parede angustiada, deixando as lágrimas descerem desesperadamente em busca de algum socorro. O soluço era inevitável. Sabia que algo trágico iria acontecer em sua vida. Conhecia muito bem seu pai e sabia que ele viria para ficar em seu lugar. Ele daria a sua vida por ela se precisasse.

— Tem que ter uma solução - sussurrava aos soluços.

Chorou até perder as forças e sentir os olhos sonolentos. O tempo parecia se arrastar, mas pela pequena fresta da janela podia enxergar a escuridão alcançar o dia. Percebeu uma movimentação no trinco e os olhos arregalaram aflitos, temerosa do que pudesse acontecer. Temia que seu pai entrasse por aquela porta.

— Sem choro! Isso não vai mudar nada. O destino já está traçado. E se o seu queridinho pai não vier vou mostrar a ele o que posso fazer com sua linda filha – o mesmo sujeito de antes a encarou dando uma risada suja e se aproximou rapidamente — Creio que ele não terá nenhuma opção – abaixou-se e pegou em seu rosto — Seria muito mais emocionante ter a família completa aqui. Imagine um de cada vez e por último eu acabo com seu pai - Ele percebeu o medo da jovem em seus olhos, e chegou ainda mais perto — Não se preocupe eu posso ser carinhoso exclusivamente com você.

Sara tremeu violentamente e ficou paralisada por um bom tempo. O sujeito já havia ido embora, mas o choque com as ultimas palavras demorou para passar. Respirou fundo e aos poucos voltou a si. Chorar não iria mais adiantar. Frustrou-se e encarou o teto sujo, algo veio em sua mente e ela fechou os olhos. Só haveria uma possibilidade.

***

Os joelhos tocavam o piso gelado, a fome se apossou do seu estômago e a sede calou a sua voz por alguns minutos. Mas a força que brotava de algum lugar que não compreendia a fez sussurrar. E a sinceridade do clamor surgiu em seus lábios trêmulos.

— Deus, por favor não me abandone. Você não pode fazer isso! Falei que iria me arriscar para o conhecer profundamente e o Senhor faz isso acontecer comigo? Com a minha família? - lembrou-se imediatamente da história de Jó da Bíblia, mas não da parte em que ele perdera tudo, e sim do final da história quando ele dissera que antes só O conhecia de ouvir falar e com tudo o que aconteceu em sua vida começou O conhecer de perto. Não queria admitir, mas estava contrariada e nervosa — Deus, por favor tenha misericórdia da minha família. Você pode fazer tudo mudar. Eu sei que pode! - deu um suspiro profundo e encostou as costas na parede. Ficou alguns minutos em silencio, percebeu que realmente tinha fé em Deus e no que Ele poderia fazer — Estou te conhecendo de perto – estava mais calma e respirou profundamente, sentindo uma tonelada saindo de suas costas. De repente uma canção surgiu em sua mente, e não sabendo da onde vinha aquela vontade começou a cantar. Minutos passavam até se tornarem horas e a canção continuava dentro dela.

Exausta diminuiu o ritmo da canção. Não aguentava mais. Parou por alguns minutos, porém, algo dentro de si dizia "continue... continue", e buscando forças de onde não tinha, voltou a cantar até que, minutos depois, escutou um barulho forte. Olhou para a janela e viu as grades caírem e os vidros se partirem completamente. Ela arregalou os olhos. O que aconteceu aqui, meu Deus. Levantou-se devagar por causa da fraqueza que sentia e foi em direção à janela. Já era noite, mas não tinha ideia de que horas seriam. Estava chovendo forte e trovejando. Precisava sair dali imediatamente. Sua hora havia chegado! Passou pela janela o mais rápido que podia. Ficou aliviada ao perceber que não havia nenhum muro em volta. Deu alguns passos e avistou um pequeno cercado com uma portinha. Abriu devagar para não fazer barulho, mas aquele barulho era insignificante perto dos trovões e raios que invadiam a escuridão da noite.

A rua estava completamente vazia, mas ela não se importou, começou a correr desesperada para ficar cada vez mais longe daquele lugar. Não sabia onde estava, mas correria até encontrar alguém que a salvasse daquele pesadelo.

Percebeu um barulho ao longe e o farol de um carro se aproximando calmamente. Vinha na direção oposta, desesperada abanou as mãos no meio da rua. Era perigoso, mas a sua única saída.

O motorista parou imediatamente. Ela correu ao seu encontro pedindo ajuda, qualquer uma que fosse. Assim que a porta do carro se abriu ela ficou aliviada ao ver Bruno, e se jogou em seus braços.

— Sara! O que aconteceu? - abraçou-a fortemente sentindo o tremor do seu corpo e o choro aflito.

— Temos que sair daqui rápido – ela saiu dos seus braços e deu a volta no carro sem esperar. Bruno rapidamente acelerou o carro e partiram — Preciso ligar para o meu pai.

— Pegue o meu celular – apontou-o perto do porta luvas. Ela pegou com as mãos tremendo e quase jogou o celular no chão, indignada. Olhou para o amigo quase o acusando — Está sem bateria, Bruno!

Sara respirou fundo. Precisava fazer essa ligação. A qualquer instante seu pai poderia estar a caminho da morte se não fizesse algo. Apoiou a cabeça em seus joelhos tentando se recompor. Colocou as mãos em seus pés e sentiu um objeto na parte interna da sua calça, apalpou e ergueu a barra dela. Era seu celular. Sorriu quando o viu e lembrou-se que havia o colocado em um bolso abaixo do joelho que havia em sua calça skatista. Parecia mais historia de filme.

Sem disser mais nada, pegou o celular, voltou a posição normal, discou rapidamente o número conhecido e assim que o pai atendeu, ela colocou o fone no ouvido do Bruno.

— Parara Sapo, live, live. Repita isso Bruno, é sério.

Sem questionar, ele repetiu o que dissera. Só então ela volto a respirar normalmente e desligou o celular.

— O que é isso, Sara? - Perguntou confuso a olhando de lado enquanto dirigia.

— É um código secreto que meu pai inventou - recostou-se na janela. Estava exausta, fazia horas que não comia, nem descansava e sua voz também precisava de repouso, estava ficando cada vez mais rouca e sentindo suas pálpebras pesadas.

O começo de um Legado - Degustação ♥Onde histórias criam vida. Descubra agora