Após degustar minhas deliciosas torradas queimadas, me disponho a trabalhar, nos últimos meses esta tem sido a tarefa que mais pratico, aliás eu tenho seguido uma rotina um tanto quanto monótona nos últimos tempos, geralmente é casa-trabalho mas em alguns raros casos eu mudo para trabalho-casa. Tenho passado um bom tempo no escritório, mas também, a empresa precisa de mim, é o que acho, não conheço muito bem meus funcionários mas pelo rosto deles quando chego na empresa, presumo que não gostam de mim.
Me direciono à garagem e adivinha o que vejo? Meu carro coberto com o orvalho da madrugada passada, ele realmente é meu inimigo, primeiro tira minha amada e agora tenta me levar também. Mas não me irrito com o orvalho, até porquê a situação começa a piorar depois dele, sim, estou falando do sereno.
Quando criança, minha avó me dizia para não ficar no sereno pois eu iria me gripar, mal sabe ela que o sereno me deu muito mais que uma gripe, me deu um buraco no coração. Mas hoje eu não tenho medo dele, até porquê se ele me levar também, ao menos ficarei ao lado da minha amada. É tudo que eu queria, vê-la novamente, ah se fosse possível, se eu pudesse trazê-la de volta a vida, mas me lamentar não vai mudar nada.
Quando chego no escritório, vejo um pedaço de papel sobre a minha mesa, e no papel a seguinte frase: - Me demito! É isso mesmo, já cansei de ouvir você me maltratar, cansei de ser feita de escrava, cansei de você seu lixo!
Bom, confesso que não posso discordar dela, acho que tenho maltratado muito os meus funcionários, e principalmente não posso discordar da parte em que ela diz que sou um lixo, bom, é a mais pura verdade. Eu realmente sou um LIXO! Nada disso teria acontecido se não fosse por mim e minha ganância, eu deixei que o dinheiro cegasse meus olhos, mas a minha humanidade justifica a minha fraqueza.
Às vezes penso em largar tudo para trás, sumir no mundo, até porque eu não tenho mais nada para perder, a única coisa que tinha, se foi a um verão atrás e não importa o que eu faça, não importa o quanto lamente, ela não vai voltar, e o antigo eu também não. O passado ficou no passado, mas mesmo que eu tente mudar, virar outra pessoa e seguir com a minha vida, o peso da culpa, as memórias dela sempre voltam e eu sempre fico assim, não entendo por que é tão difícil apagar essas memórias, elas só acabam comigo, só me deixam para baixo.
Mas o que fazer? Acho que esta é a cruz que eu terei que carregar até que meu último fio de cabelo se embranqueça, até o dia mais feliz da minha vida: o dia da minha morte. Só assim poderei me livrar do doloroso peso dessa maldita culpa.
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Chuvas de Verão
Short StoryUm homem se vê em uma crise existencial enquanto busca o sentido da morte de sua amada.