Soltando uma lufada de ar, a pequena menina adentra a simples confeitaria, rapidamente se despindo dos inúmeros casacos que tornavam sua pessoa quase duas vezes maior.
Satisfeita, ela suspira, apreciando o ar quente do ambiente. A rápida mudança de atmosferas faz com que seu rosto formigue, quase como se estivesse descongelando. Ela sente a cor voltar à sua face, suas bochechas tomando um tom rosado.
Mel odiava o frio. Ele fazia seus lábios e mãos ressecarem e a tornavam tão branca como uma parede. Se isso não bastasse, tinha que sair com, pelo menos, 5 blusas caso o tempo ameaçasse esfriar, e, convenhamos, é difícil ficar fofa usando sete quilos de roupa.
"O de sempre?" A senhora por trás do balcão pergunta, com um sorriso no rosto. Seu avental de trabalho está polvilhado com pequenos grãos de açúcar, mas Mel sabia que nenhum bolo que ela fizesse seria capaz de ser mais doce que seu sorriso.
"Você me conhece tão bem!" A garota brinca com a velha atendente, enquanto busca por dinheiro em seus bolsos.
Ela se dirige ao caixa e, após pagar, pega o bolo de brigadeiro, sua boca já salivando ansiosamente pela massa granulada. Com o prato na mão e uma garrafa de água com gás, a menina senta em uma mesa no canto da confeitaria, e tira do bolso do casaco um velho e maltratado caderno de desenhos, que apoia sobre a mesa ao lado do bolo. Depois de ter certeza de que ninguém a observava, a menina faz uma careta e tira um cotoco de lápis e uma pequena borracha de seu sutiã.
"Meus Deus..." a menina suspira. "Isso já estava quase furando meus mamilos." ela murmura com o rosto contorcido em uma expressão exagerada.
Outra coisa que Mel odiava, eram bolsas. Em sua lista de coisas que Mel não gosta, elas vinham logo abaixo de pessoas e antes de dedos do pé cabeludos. Por isso, consequente de sua teimosia e persistência, ela constantemente brincava o jogo de esconder seus pertencem em bolsos e sutiãs, de modo em que nunca viesse a necessitar de uma maldita bolsa. Ela absolutamente e fortemente se opunha a sair de casa carregando o pequeno objeto quadrado, simplesmente porque sabia que acabaria o esquecendo em um lugar e seria o dia inteiro perturbada pela droga da bolsa, que ficaria escorregando de seu ombro ou se agarrando em maçanetas e corrimões.
A menina logo ataca o bolo, terminando a gorda fatia de um modo impressionante. Se tinha uma coisa no mundo que Mel realmente gostava, era uma de boa dose de glicose pelo menos umas quatro vezes ao dia. Sua bolsa sempre tinha alguma bala ou chocolate escondido, e ela sempre carregava trocados em seu bolso caso precisasse de mais açúcar.
Agora, com a barriga dilatada para aguentar o que deveria ser sua quinta refeição, ela relaxa sobre a cadeira, pegando o pequeno cotoco de lápis com delicadeza, enquanto seu olhar explora o local a procura de uma inspiração. Um jovem sentado sozinho chama sua atenção. Suas feições são comuns, não ha um traço em seu rosto que seja perfeitamente esculpido, mas o modo com que se porta prende sua atenção. Os dedos do garoto, que deveria ter um pouco mais de vinte anos, tamborilavam na mesa em um ritmo acelerado, e seu olhar se alternava entre a bebida quente em sua frente e frente e o relógio na parede. O modo como agia fazia Mel acreditar que ele estava a espera de alguém, mas jeito com o qual ele deixava seu cabelo loiro escuro cair em seu rosto mostrava uma certa insegurança.
O que passava na cabeça dele? Estaria ele vivenciando uma decepção amorosa ou apenas sentava solitário à espera de um milagre?
Essas perguntas que nunca seriam respondidas intrigavam a garota, que, com movimento leves, traçava cada detalhe da expressão do jovem. Ela gostava de desenhar o que não conhecia, porque, assim como quem lê um poema não sabe sobre o que o poeta está falando, um artista não sabe o que sua obra prima pensa. A incerteza que o mundo a proporcionava se transformava em criatividade, e com um lápis e papel, ela tornava sólido tudo o que se passava a sua volta, mesmo sem saber de nada. Desenhava o que não conhecia e questionava o que sabia cada vez que o grafite manchava a página branca de forma única.
Já com a mão manchada de cinza e olho ardendo por causa de sua alergia, Mel termina os últimos detalhes de sua obra, apreciando as semelhanças entre o criado por mãos ordinárias e o oriundo de uma ciência complexa. Um pequeno sorriso se rompe em seus lábios, e após terminar sua água, recolhe suas coisas e caminha em à rua.
Já sufocada pela quantidade absurda de casacos, a menina enfrenta o frio destemidamente durante o trajeto ate sua casa, com seu queixo batendo rapidamente, o movimento gerando sons que vibravam em sua cabeça.
Quando chega em sua residência, tira a chave do bolso e destranca a porta, novamente passando pelo processo de se despir das camadas de roupa que a envolviam. Sem prestar muita atenção, ela levanta a mão para botar a chave no pequeno arranjo na parede, mas um súbito tremor faz com que o pequeno objeto caia no chão, produzindo um som metálico ao entrar em contato com o chão.
Confusa, Mel olha para sua mão, que ainda manchada de um prata reluzente, treme incontrolavelmente. Dominada por seus instintos, ela procura por seu caderno e lápis desajeitadamente, e quando os alcança, começa fazer rabiscos nas paginas grossas sem tem consciência de seus movimentos.
Antes mesmo de recuperar o controle, Mel cai no chão sem sentido, dominada por uma escuridão. Próximo ao seu corpo descordado, o pequeno lápis está abandonado no chão, e, em sua mão, um papel coberto em completo caos. Ela não teve tempo de olhar o que desenhou, mas na realidade, não foi preciso. A mesma figura indefinida que dominava a página assombrava sua inconsciência, sussurrando e gritando as palavras destorcidas que estavam espalhadas nas margens da folha.
"Anevaínoun, néa manteío. To pnévma ton Delfón tha sas kathodigísei sto taxídi sas."
Ascenda, novo oráculo. O espírito de Delfos te guiará em sua jornada.
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• Constelações • || Stiles Stilinski
Fanfiction"Por que estamos do lado de fora?" Mel pergunta, seu olhar se perdendo na imensidão estrelada que a cercava. As lágrimas em seu rosto, ainda úmidas, reluziam debaixo do céu pontilhado. "Lembra quando me contou sobre sua mãe? E você disse que, pela p...