O céu já estava escuro quando Mel acordou. Sua cabeça latejava, e seu corpo estava levemente dolorido. Ela fez esforço para se sentar, soltando um gemido de dor durante o processo. Apoiada na cabeceira da cama, passa a mão levemente pela parte de trás de sua cabeça, sentindo um pequeno galo que se forma. Ela tenta se lembrar como o adquirira, mas percebe não ter lembrança de qualquer acontecimento acerca das últimas horas. Recordando seu dia, tinha memória de ir na confeitaria e comer seu bolo, mas depois do trajeto para casa, os acontecimentos eram como borrões. Ela não fazia ideia do que havia acontecido, e o esforço que fazia para entender a situação apenas contribuía para sua dor de cabeça.
Uma batida na porta a traz de volta para a realidade. A porta de seu quarto se abre com um pequeno rangido, e Marlene entra carregando um copo d'agua e um comprimido.
"A Bela Adormecida finalmente acordou." Sua avó brinca com um sorriso no rosto, sabendo que aquela era a princesa que Mel menos gostava.
Apesar da latejante dor de cabeça, ela consegue abrir um sorriso, revirando os olhos. "Por favor vó, você sabe que eu sou a Pocahontas."
Apesar de seus longos cabelos e pele morena, Mel não se parecia muito com Pocahontas. Seus fios, cor de chocolate, que caiam em longos cachos ao redor de seu rosto, e sua íris dourada destoavam do negro que compunha o visual da índia. Por outro lado, ambas não podiam ser mais parecidas em relação à personalidade, sendo corajosas e destemidas, dispostas a desafiar as regras impostas a fim de provar sua capacidade, e sendo mulheres independentes, que lutariam com cada fibra de seu corpo para defender quem amavam e o que acreditavam.
Marlene ri e adentra o quarto, sentando ao lado de sua neta na cama. Ela entrega o copo nas mãos da menina instruindo para que beba tudo, e lhe estende o pequeno comprimido.
"Vó... Você sabe que eu odeio tomar remédio." A menina diz com um suspiro. Mel nunca gostou de médicos ou qualquer coisa do tipo. Ela odiava qualquer ajuda, mesmo que fosse profissional e para seu próprio bem. Infelizmente, sua teimosia conseguia vencer a maior parte das vezes. Assim, ela odiava tomar remédios, pois achava que eles a faziam parecer mais fraca. Ela queria ser forte o suficiente para conseguir vencer qualquer coisa sem ajuda, e se isso significasse ter latejantes dores de cabeça, que assim fosse.
"Meu Melzinho..." O uso do apelido chama a atenção de Mel. Sua avó a chamava assim desde criança, porque dizia que sua personalidade era tão doce quanto seu nome. "Eu sei que você não esta se sentido bem, mas há uma coisa que precisamos discutir."
O tom cauteloso adotado por Marlene preocupou a pequena. Ela era tudo que lhe restava de verdade. Mel amava seu pai, mas quase não tinha contato com ele. Por causa de seu trabalho, estava constantemente viajando, e ambos haviam chegado a conclusão que passar sua infância tendo que mudar de casas constantemente seria ruim para seu desenvolvimento, uma vez que ela era uma criança extremamente tímida. Por outro lado, eles estavam sempre se falando. Quase todo dia, Mel recebia uma chamada de vídeo, e apesar dos diversos fuso-horários, eles sempre encontravam um meio-termo. As férias eram o momento por qual mais esperava durante todo o ano, para que pudesse em fim abraçar seu pai. A relação deles podia ser um pouco complicada, mas Mel amava Davi incondicionalmente.
"Tudo bem vó. Pode falar, eu já estou melhor" Marlene conseguia ver claramente que a menina estava mentindo, não apenas pelo fato dela ser uma péssima mentirosa, mas também por ter ajudado com sua criação por quase sua vida inteira. Mas, optou por continuar mesmo assim, pois sabia que não tinha condições de adiar a conversa.
"Bom, eu não sei como te dizer isso." Ela ri desajeitadamente. Respirando fundo, ela solta um suspiro e continua. Mel percebe a aversão de sua avó em relação ao tópico, e com um leve movimento, estende sua mão sobre a dela, dando um fraco aperto enquanto sorri, a encorajando. "Eu conversei com seu pai ontem. Ele ainda está enrolado com o trabalho na Singapura, e eu... Bem, eu vou precisar ir para Kalamaria." Marlene olha para sua neta, esperando que ela de um ataque, grite, ou qualquer coisa, mas a menina fica imóvel. "Mel? Você ouviu o que eu disse?"
"Por favor, me diz que você quis dizer Calamari, aquelas lulas nojentas que os adultos comem, e não Kalamaria, a cidade grega em Thessaloniki."
Marlene fecha os olhos e suspira, nem um pouco surpresa da menina saber exatamente onde Kalamaria fica, e se preparando para conseguir explicar para ela o porquê de sua partida. "Não, Melzinho. Eu não quis dizer Calamari. Eu preciso ir para Kalamaria. Uma amiga minha de infância faleceu, e eu preciso estar lá para resolver os negócios que ela deixou para trás."
"Mas você é aposentada. E mesmo assim, você precisa ir até a Grécia? Não dá para resolver por Skype ou algo do tipo?" Marlene sabia que seria complicado mentir para sua neta, e torcia para que sua inocência fizesse com que botasse sua confiança acima da lógica.
"Eu queria que as coisas fossem mais simples, mas infelizmente, não são. Eu vou precisar ficar lá um tempo, para ajudar a família a resolver as coisas, mas não passará de um ou dois meses, eu prometo."
"E eu? O que vou fazer? Posso não ter muitos amigos aqui, ou uma vida social que me impeça de largar tudo e ir para o outro lado do mundo, mas eu não posso sair dessa cidade."
A cidade era tudo que lhe restava de sua mãe. Helena servia o exército, e passava boa parte de seu tempo ao redor do mundo em missões. Por conta disso, Marlene teve um grande papel na criação da morena. Isso, porém, nunca havia sido um problema. Para alegrar a filha e a distrair do real motivo das viagens, Helena criou uma brincadeira. Ela trazia, de cada lugar que trabalhava, um "tesouro". Eles eram pedras, pedaços de vidro, folhas ou qualquer outra coisa que sua mãe conseguisse coletar da viajem. Mel passava então, a ansiar pelo tesouro, e durante as noites, em vez de sua mente vagar para o barulho de tiros e gritos de dor, ela ponderava qual seria o tesouro que receberia.
Aos 7 anos, Mel recebeu uma lasca de vidro colorida, e foi o primeiro tesouro não entregue por sua mãe, e também o último que receberia. O pertence entregado pelo homem vestido com o uniforme camuflado foi transformado em um colar, que nunca abandonava o pescoço da menina. O vidro azulado tinha pequenos arranhões, e com a imaginação fértil da criança, ela via um céu estrelado, sob o qual os olho de helena perderam o brilho com um último suspiro.
Apesar de ter sido criada pela avó e pela mãe, o amor materno nunca seria substituído, e Marlene sabia disso. Por isso, após a morte de Helena, ela havia tomado o cuidado de não tentar a substituir, mas sim ser a melhor avó possível, fazendo de tudo para proteger sua neta.
Isso fazia com que não se arrependesse da escolha tomada anteriormente, apesar das consequências que apagar a memória de Mel traria. Perder a mãe em uma idade jovem já era muita coisa para uma criança, e ter que lidar como sobrenatural seria atordoante.
Helena queria que sua filha soubesse dos poderes que lhe eram reservados, mesmo que não houvesse os herdado dela. Mas, Marlene havia optado por não realizar o seu ultimo desejo. Assim, a carta que veio acompanhada do vidro com infinitos tons de azul nunca chegou nas mãos de Mel.
"Você não vai comigo para Kalamaria. Você irá morar com sua prima Lydia Martin."
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• Constelações • || Stiles Stilinski
Fanfiction"Por que estamos do lado de fora?" Mel pergunta, seu olhar se perdendo na imensidão estrelada que a cercava. As lágrimas em seu rosto, ainda úmidas, reluziam debaixo do céu pontilhado. "Lembra quando me contou sobre sua mãe? E você disse que, pela p...