Mão possuídas e crises existenciais

245 18 2
                                    

Sentindo a cabeça latejar, Mel levanta do chão com um grunhido, e estende sua mão cuidadosamente para observar o papel que segurava. Seus olhos castanho claro percorrem os traços bagunçados, reluzindo com tons de dourado cor de mel que faziam jus ao seu nome. Era uma menina com personalidade tão majestosa como o liquido cor de âmbar.

Com as sobrancelhas franzidas, ela tenta achar uma explicação para o desenho. "Que porra é essa? Será que me drogaram e eu não sei?"

Para a garota acostumada a lidar com o lógico, ter um episódio de possessão de mãos e desenhar algo que ela nunca tinha visto não fazia sentindo. O cérebro não consegue imaginar algo que nunca viu, e perder total controle sobre suas capacidades motoras não é normal.

Com uma rápida sugada de ar, a menina olha para a frente, suas sobrancelhas franzidas agora tão altas que desaparecem debaixo de sua franja. "Ai meu deus." Ela diz com convicção. "Eu tenho a síndrome da mão alienígena"

"Droga, droga, droga! Mas eu sou tão nova!" As lamentações exageradas da adolescente despertam sua avó, que estava antes absorta do drama que acontecia no andar de baixo, adormecida em seu quarto no piso superior. Com sua camisola e pantufas, Marlene desce as escadas lentamente, se preparando para ouvir a história que preocupava a morena dessa vez.

Ela suspira alto, ao ver a menina jogada no chão olhando para o teto, mas nem tenta imaginar o que passa na cabeça dela, que esta sempre rodeada de ideias mirabolantes. Ela sabe que, provavelmente, será algo muito além de sua compreensão. Convencida de que é apenas outra crise existencial, ela cogita dar meia volta, e quase conclui a ação depois que ouve murmúrios sobre mão alienígena e que ela é jovem demais para morrer, mas o pedaço de papel preenchido largado no chão chama a sua atenção.

Cautelosamente, ela pega o desenho em suas mãos, e o conteúdo faz com que ela feche seus olhos fortemente, desejando que tudo não se passe de um pesadelo. Porém, infelizmente, ela sabe que o momento que mais evitava havia finalmente chegado, e por mais que rezasse, nada mudaria a realidade.

Já se arrependendo de sua escolha, Marlene caminha em direção à sua neta. Ela sabe que o que está prestes a fazer destruirá a relação que tem com a pessoa que mais ama, mas é justamente esse amor que faz a cor de seus olhos mudar do azul esverdeado para um violeta que oscila entre um rosa inocente e um roxo turbulento.

Notando a presença de sua avó pela primeira vez, Mel levanta de sua posição, sentando no piso claro com as pernas cruzadas. Porém, a pessoa ajoelhada a sua frente não se assemelha nada com a que a criou, apesar das mesmas estruturas faciais e roupas de dormir. A mulher em sua frente possui olhos que emitem um brilho hipnotizante, e todo o seu corpo é envolto por faíscas com mesmo tom violeta de seus olhos, que brilham de maneira fosforescente enquanto orbitam o seu corpo.

A menina fica paralisada em frente ao ser que a encara, suas palavras presas na garganta e a mente sem conseguir formular pensamentos coerentes. Antes que ela fosse capaz de reagir, Marlene estende ambas as mãos e segura a face de sua neta, olhando fixamente para os olhos cor de mel que estão ameaçando derramar lágrimas.

"Me desculpe." A voz de Marlene ecoa metalicamente na cabeça de Mel, e a garota nota que não viu a boca de sua avó se mexer. Ela é incapaz de perceber, mas as palavras que escutara não estavam no idioma que falavam, mas sim em grego. Mesmo sem a intenção, Mel já utilizava seus poderes, tornando irrefutável o argumento de que sua vida nunca mais seria a mesma.

Ao mesmo tempo que Mel começa a gritar, os raios de luz que rodeavam Marlene saem de suas mão para envolver a garota. As luzes percorrem cada sentido de sua epiderme, atravessando as finas camadas e reluzindo por baixo de sua pele, como veias que serpenteiam por todo o seu corpo. Logo, os olhos de menina passam a ter a mesma coloração dos que os de sua avó, brilhando de forma sobrenatural.

A cena dura alguns segundos, mas a dor agoniante que tomou conta do corpo de Mel fez com que parecesse ter durado horas.

As mãos tremulas de Marlene deixam o rosto da menina, e sua face espelha as lágrimas que escorrem dos olhos distantes que a encaram. Apagar as memórias de sua neta não tinha sido uma escolha sensata, mas ela faria de tudo para afasta-la do futuro que lhe era reservado. Mais tarde, teria que lidar com a fúria do conselho, mas por enquanto, poderia garantir uma adolescência normal para Mel.

Marlene levanta e puxa a mão da menina, que, ainda sobre o efeito de sua magia, copia seus movimentos lentamente. Guiando a menina desorientada, ela lembra de quando ainda conseguia carregar Mel no colo. Naquela época, os desenhos dela eram apenas a imaginação fantasiosa de uma criança levada. Hoje, eles eram a profecia que determinariam o futuro de quem cruzasse seu caminho.

Chegando no quarto bagunçado, Marlene conduz sua neta até sua cama, e a garota deita sobre o edredom macio, instintivamente abraçando seu travesseiro rosa. Ela o tinha desde os três anos de idade, e não conseguia dormir bem se não o tivesse em seus braços. A imagem em sua frente faz com que Marlene solte um soluço estrangulado, que carrega com ele todo o arrependimento da escolha que acabara de fazer.

Mel ouvira a história de seu nome inúmeras vezes. Sua mãe costumava contar para ela sempre que tinha a oportunidade. Falava como, no momento que ela abriu seus olhos dourados pela primeira vez, fez com que todos no quarto ficassem encantados com sua íris que parecia ser líquida, como gotas de mel.

O detalhe que sua mãe deixara de fora foi o som emitido pelo relógio que badalava meia-noite, e a marca que brilhou em sua testa enquanto os segundos davam início ao novo dia. Ela havia sido marcada, e carregava o dom que a tornava uma arma mais poderosa que qualquer invenção criada pelo homem.

• Constelações • || Stiles Stilinski Onde histórias criam vida. Descubra agora