Julia

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Ainda estava correndo feito louco como sempre desde que tudo isso
começou. Mas agora eu tinha uma vantagem, ou pelo menos achava que tinha. Agora precisa encontrar uma maneira de sair desse lugar. Sair e
impedir que tudo começasse, pois faria tudo para proteger... Merda, eu sei que tenho que proteger a alguém, mas não consigo lembrar quem.
Dizem que o conhecimento nos liberta, e agora eu tinha o
conhecimento, sabia o que tinha que fazer, só precisava descobrir como
fazer.
– Agora é minha vez de falar com você, espirito do profeta. – Era
uma mulher, uma linda mulher.
– Quem é você? – Perguntei.
– Não importa quem eu sou. Importa o que eu tenho para te falar. –
Respondeu a mulher.
– Não vai me levar para outro lugar como o índio fez?
– Não. O mensageiro te mostrou a época que os demônios foram
aprisionados. Te mostrou o que fazer. Eu não pretendo fazer isso. Pretendo
te ajudar de outra maneira, não apenas te contar histórias. Prometeu.
– E o que você vai fazer por mim? Pode me ajudar a sair daqui? Pode
me mostrar o caminho? – Perguntei para a mulher que acabara de aparecer.
– Não vou te mostrar o caminho e nem te ajudar a sair daqui. Isso
você terá que descobrir sozinho espirito do profeta. O que posso fazer é te ajudar a ficar vivo. Tenho muito para lhe dizer e ensinar.
– Você está viva? Ou...?
– Estou morta. Há muito mais tempo do que você pode imaginar.
– E quem é você? Por favor!
– Já lhe falei que quem eu sou não importa. – Disse-me ela.
– Já sei, já sei, importa o que você pode fazer por mim. Não é? –
Concordei com ela finalmente.
Mas ela já havia sumido. Talvez não aguentasse tantas perguntas.
Talvez acabou o tempo dela também. Mas de qualquer forma eu ainda
precisava achar a saída. Mas por onde começar a procurar?
Ainda predominava a escuridão. A podridão. O frio que não era frio,
mas que me gelava por dentro.
Nem havia percebido, mas estava andando e não correndo já por
algumas horas. Até que achei uma porta. Uma porta enorme. Precisava
passar por ela, precisava entrar naquela sala. Algo me atraia lá para dentro.
E então entrei.
– Amor! Você chegou. Você veio. Está aqui de verdade. Eles disseram que você nunca viria. Que você nunca teria coragem. – Era a mulher mais linda que eu já vi. Ela me era muito familiar, mas... eu não conseguia lembrar de onde a conhecia, minha amnesia continuava. Eu sabia que a conhecia, mas não lembrava de onde, mas meu coração a conhecia.
– Amor? Como assim amor? Quem é você? Eu não consigo lembrar
de onde eu a conheço. – Então lágrimas rolaram de meus olhos.
– Amor! Sou eu, não lembra? Sou eu amor. Por favor, tente se lembrar de mim. Preciso de você. – Pedia aquela mulher linda, que doía tanto não lembrar quem era. Eu tentava com todas as minhas forças me lembrar, mas não a reconhecia. Sentia uma coisa na barriga, um enorme vazio no estômago.
Não só por não a reconhecer, mas pela situação que ela estava. Era cruel demais. Muito cruel, fosse ela quem fosse.
– Amor, sou eu, sua mulher, sua esposa, sua gostosinha. Lembra? –
Insistia ela.
Num estalo tudo me voltou à consciência. Absolutamente tudo.
Dois anos após o casamento eu tive sérios problemas financeiros,
minha pequena empresa de reformas residenciais acabou indo à falência.
Em menos de um ano os pais de Julia começaram a aconselhar que ela me
largasse e fosse para casa deles de volta que eu nunca daria um futuro
seguro para ela, pois apesar de ser um mestre de obras experiente não
conseguia encontrar trabalho, também pudera, o pais passava por uma profunda crise financeira e reformar a casa era uma das últimas coisas nos planos das pessoas na época. Mas Julia não se importava, ela dizia que o importante era que nos amávamos e que juntos conseguiríamos vencer a tudo e a todos. Ela continuava a trabalhar como auxiliar de enfermagem a
noite e com dificuldade ia pagando nossas contas. Foi uma época bem
difícil, mas conseguimos vencer. Eu era muito bom em cálculos e um
grupo de amigos que tinham algumas economias resolveram arriscar
investir no mercado variável, a bolsa de valores, mas como não entendiam nada daquilo resolveram me procurar já que eu já havia investido antes,
mas acabei usando meu dinheiro todo para montar minha empresa e em
menos de um ano veio a crise e perdi tudo. Mas o importante era que aquilo foi um verdadeiro presente de natal fora de época. Eu investia e recebia dez por cento de comissão nos ganhos reais. Com o tempo me levante
novamente e três anos depois estava bem financeiramente sem nem sentir a crise. E Julia sempre paciente esperou até conseguirmos vencer sem se importar com a opinião contraria dos pais. Ela nunca me abandonou e nem deixou de acreditar em mim. Sempre amorosa e incentivadora. Eu a chamava de minha gostosinha, pois ela sempre fora a perfeição em forma de mulher. Uma mulher linda e sensual, delicada e discreta, sofisticada e exuberante. Amiga, companheira e inteligente. E eu inteiramente viciado nela. Tudo era perfeito com ela. Conversar com ela era perfeito. O sexo com ela era perfeito. O sono dela era perfeito. O acordar dela era perfeito. Ela era toda perfeita. Perfeita. Sempre perfeita. O amor da minha vida. Minha doença e minha cura. Minha loucura e minha sanidade. Meu início e meu fim. Minha meta e meu prêmio. Minha vida.
– Julia? Meu amor? O que aconteceu com você? Como veio parar
aqui amor? – Uma sensação de impotência e pavor me dominou por vê-lanaquela situação. Minha vista se turvou de lágrimas ao vê-la daquele jeito.
– MALDITOOOOOSSSSSSSSS!!!!!!!! – GRITEI – Por que ela? Por que ela? Ela não merece isso seus MALDITOOOOOOSSSSSS!
– Amor, para de gritar, por favor. Eles vão voltar e começar tudo de
novo. Quando eles ouvem gritos lembram e voltam. Ajude-me, por favor.
Tire-me daqui. Me ajuda. – Ela sussurrava tão baixinho que eu quase não a ouvia. Eu não sabia por onde começar a soltar tudo aquilo para começar a tira-la de lá. Mas eu tinha que tirar ela daquilo tudo e torcer. Torcer para ela ainda... eu tinha medo de tira-la ela de lá e ela não suportar e morrer de vez.
Ela estava suspensa no ar, mas não amarrada. Não eram cordas que a
suspendiam. Eram correntes e arames de aço. Ela estava perigosamente
dobrada para trás. Nas pontas das correntes e arames de aço com pequenos ganchos que pareciam anzóis. Mas estavam na pele da minha Julia. Da minha gostosinha. Eu chorava, mas chorar não iria ajudar. Eu tinha que fazer alguma coisa. Tinha que encontrar uma maneira de ajuda-la. A pele dela estava ameaçadoramente sendo puxada pelos anzóis. Dois anzóis
entravam pelas narinas puxando a cabeça para trás. Uma corrente enrolada no pescoço a travava naquela posição dobrada. Os pés também puxados por correntes terminavam por formar um grande “C” invertido. Centenas de arames de aço com anzóis a puxavam para frente. Saiam do umbigo, vários
da vagina e ventre. Dos seios, ombros e orelhas saíam outros que a
puxavam para cima. Terminando a cena horripilante e sádica uma coluna de metal de uns cinquenta centímetros sustentava parte do peso dela, mas com a ponta de algo entorno de 15 centímetros de diâmetro entrava pelo ânus, e dava para ver a ponta daquilo forçando a peça do abdômen dela.
Malditos desgraçados. O que fizeram com minha Julia, minha linda e doce
Julia. Mesmo ali naquele tormento ela era a mulher mais linda que existia.
– Vou te tirar daí meu amor. Espere só um pouco. – Prometi.
– Não amor, não dá para me tirar mais daqui. Essas coisas estão ligadas dentro de mim. – Choramingou minha doce esposa.
– Mas amor. Eu TENHO fazer alguma coisa. Não posso te deixar aí
sofrendo. – Eu quase implorava para Julia.
– Há uma coisa que você pode fazer por mim amor. Só uma.
– Qualquer coisa amor? Diga-me. – Prontifiquei-me.
– Mate-me. Eles disseram que a única forma de eu não ficar sofrendo
nas mãos deles para sempre e se alguém que me ame me matar. – Implorou minha esposa.
– Amor. Eu não posso! Não consigo!
– Você me ama amor? – Perguntou Julia.
– Sim, claro que a amo amor.
– Então faça. Por favor. Será fácil. Se puxar uma alavanca com argola no chão na minha frente tudo vai acabar. Estou sofrendo. Se eu morrer finalmente terei paz. Ajude-me amor.
– Mas amor! – Seria muito difícil fazer aquilo.
– Por favor amor – lágrimas lhe desciam dos olhos – é a única maneira.
– Tem certeza vida? – Perguntei mais uma vez.
– Sim. Te amo viu. Te amo para sempre. Obrigada amor.
– Eu também te amo e sempre amarei minha vida. Tchau. – Me despedi com o coração em pedaços.
– Tchau. – Ela respondeu.
Puxei a alavanca, mas não estava preparado para o que viria a seguir.
Todos os arames de aço. Todas as correntes. Tudo foi puxado ao mesmo tempo. O resultado... foi horrível. Julia não teve tempo nem de gritar. Ou
não gritou por não ter mais forças para gritar. Nunca vou saber. Ela foi
totalmente rasgada. Em vários pedaços. O maior pedaço foi o ventre, sem parte das pernas, sem nada da cintura para cima, ainda com aquele mastro enfiado no... Delicadamente tirei o que restou do delicado corpo dela daquele mastro. Coloquei no chão. E fui embora. Aquilo foi o meu limite. Para mim não dava mais. Preferia entregar os pontos. Esses malditos demônios eram cruéis demais. Não sei se me doía mais saber que não teria mais minha Julia. Ou se era ter visto ela daquele jeito. Ou ela ter morrido como morreu. Ou saber o quanto ela sofreu nas mãos daqueles malditos. Ou ainda pior. Que eu tive que matá-la.
– Adeus minha Julia. Minha amada e doce Julia. Minha gostosinha.Sentei no chão. Chorei até não conseguir mais encontrar lágrimas. E então.
–FODA-SE! FOOOOODAAAAAA-SEEEEEEEEEE! Vocês me querem? PODEM VIR ME PEGAR SEUS MALDITOS. – Estava cansado. Eles mataram minha Julia. Não havia mais razão para continuar vivo. Não mais. Preferia morrer e sofrer eternamente nas mãos daqueles malditos demônios. Eu merecia esse castigo. Quando casei prometi cuidar dela. E
não consegui. Não achei a maldita saída a tempo. Não parei o maldito
sacerdote negro a tempo. Não a encontrei a tempo. Não me lembrei dela a tempo. Eu não deveria ter me esquecido dela. Se não tivesse me esquecido quem sabe ela ainda estivesse... – e chorei de novo.

Olhos Abissais - O Fim da Vida.Onde histórias criam vida. Descubra agora