Olhos Abissais - O Fim da Vida.

Espírito do Profeta.

Então era isso? Um maldito professor maluco abriu a porta de algum tipo
de inferno e soltou os demônios de lá de dentro. E como é que vou fazer
para trancar eles lá dentro de novo? Será que eu conseguiria fazer isso? Eu nem entendo de magia  com cartas muito menos magia inca antiga.
_Moço, me ajuda, por favor? – Ouvi uma voz de menininha
_Quem está ai? Onde você está?
_Aqui moço.
_Onde você está menininha? – Pergunto.
_Aaaaaquiiiiiiii – dessa vez quem respondeu foi uma voz grossa
demoníaca que estava em todo o lugar. E essa maldita escuridão que não acaba.
_Aaaaaaquiiiiiii moçooooooo – A mulher de olhos abissais estava de
volta me encarando com aquela boca cheia de navalhas aberta a dez
centímetros do meu rosto.
Fechei os olhos, impotente e sem forças mais para fugir esperando pela minha morte. Esperei mais ainda e... Nada. Então abri os olhos lentamente e totalmente apavorado. Estava tudo claro. Pela posição e tonalidade do sol devia ser alguma coisa após o meio dia já. Ouvia o canto dos pássaros e o mover de águas. Era o riacho de minha cidade, aquele que passa atrás do mercado, mas não tem nenhum mercado, na verdade não há nada aqui da cidade, só... arvores, arvores e mais arvores.
_Vem aqui. – Me chamou um... que porra é essa? Era um índio agora? Um índio? Serio isso?
_Vem logo, sai dai. Ai é muito perigoso. Vem pra cá.
E como é que eu entendo o que ele está falando? Mas enfim eu fui até onde ele estava.
_Quem é você? – perguntei – E como é que eu consigo te entender?
_Quem eu sou importante não é. Você entende o que eu te falo porque você
não está aqui.
_O que? Como assim? – Perguntei.
_Não de verdade. Só o seu espirito está aqui comigo. E um espirito sempre entendem o que outro espirito fala. Uma língua só todos os espirito falam.
Eu entendo do meu jeito e você entende do seu jeito.
_Então eu morri? – Quis saber apavorado.
_Sim! Não! Talvez! – Respondeu o índio.
_Não entendo. Ajude-me, por favor!
_Você está entre a vida e a morte. Você tem o espirito do profeta. Você
está vivendo o que ainda vai acontecer no seu mundo.
_Então está tudo bem comigo? – Perguntei aliviado.
_Sim. – respondeu o índio
_Ufa, que alívio.
_E não.
_Porra, assim não dá. Eu estou bem ou não estou bem?
_Por enquanto você está bem espirito do profeta. Mas se morrer durante
seu estado profético não pode mais voltar ao mundo dos vivos.
_Então onde estou?
_Está no mundo dos mortos. Os mortos sofrem e querem lhe ajudar a parar o que está vindo. – me disse ainda mais o índio.
_Mas o que está vindo? – perguntei.
_No passado, muito antes de você nascer, os tapakuxi andavam na terra.
Alguns achavam que vivíamos apenas em um lugar só. Mas o povo
tapakuxi viajava muito. Depois que a grande terra se separou em duas
grandes terras, nosso povo recebeu a missão de proteger toda essa grande
terra.
_Você que dizer da separação dos continentes? Isso realmente aconteceu? –
Perguntei sem acreditar muito.
_O que é continente espirito do profeta? – perguntou interessado o índio.
_É essa terra enorme que o mar fica em volta.
_Sim, então é isso. Então havia só um disso que você chama de continente
cercado pela grande agua espirito do profeta. E um dia os demônios os
separaram ela em duas grandes terras cercadas pela grande agua.
_Os demônios? Fale-me mais, por favor.
_Os demônios lutavam entre si e contra os homens. Havia muitos homens corajosos. Poderosos guerreiros. Que lutavam contra os demônios. Mas um dia eles travaram uma batalha tão poderosa que quebrou a grande terra em duas e elas se separaram. Os poderosos guerreiros continuaram lutando
contra os demônios. Mas um dia eles se tornaram anciões e morreram. Mas antes de morrer eles nos ensinaram tudo que sabiam sobre a magia da
natureza. Os xamãs passaram muitos e muitos ciclos de lua tentando criar
uma magia poderosa para aprisionar os demônios. Eles são os demônios da segunda terra. Eles nos roubam e levam para uma terra do lado dessa terra.
Uma terra onde eles podem fazer tudo que querem. Os demônios têm um
ladrão. Ele é o pássaro da morte. Vem na forma de uma grande sombra.
Alguns ele mata e outros ele leva. Ele cria a água negra e somente os
grandes guerreiros do passado podiam tirar uma pessoa da agua negra. Mas eles morreram muito tempo antes de eu nascer. A agua negra é um abismo.
Um abismo que te leva para o mundo deles. Às vezes eles deixam
armadilhas para você cair nelas. Você entra e pensa que escapou, mas
entrou sozinho no mundo deles. Se você entrar, nunca mais encontra a
saída. Se o pássaro da morte te pegar, você nunca mais escapa das mãos
deles. Se entrar eles vão te torturar por todo sempre. Nunca mais terá paz. Um dia – continuou o índio – nasceu um menino com grande poder magico. Os xamãs o ensinaram todas as artes da magia da natureza para
que ele se tornasse o maior de todos os xamãs. Ele se chamou Espirito da
Vida. Ele descobriu uma magia poderosa que poderia trancar os demônios para sempre. Mas teria um preço muito alto. Ele chamou essa magia de selo das almas.
_Selo das almas? – Perguntei.
_Sim espirito do profeta. Selo das almas.
_E como eu posso fazer esse selo das almas de novo?
_Você não pode espirito do profeta. Você não tem o poder de xamã.
Ninguém nunca mais vai poder fazer o selo das almas de novo. – respondeu o índio.
_Então por que estou aqui?
_Para saber.
_Saber o que?
_Saber que você ainda pode salvar seu povo. Por isso você é o espírito do
profeta, o profeta é aquele que sabe as coisas que vão acontecer antes de
elas acontecerem. Mas primeiro precisa conseguir sair de onde você está e voltar para o mundo dos vivos novamente espirito do profeta. Tem que parar o sacerdote negro que vai abrir o selo das almas. Ele descobriu como fazer isso. Ele vai soltar os demônios. Ele pensa que os demônios são amigos dele, mas está enganado. Os demônios não são amigos de ninguém e também não gostam de nenhum ser vivo. Eles só trazem a morte e mais nada.
_E como eu vou fazer isso? – perguntei.
_Tem que descobrir como impedir ele de abrir o selo das almas. –
Respondeu.
_Mas não sei como fazer isso. Acho que não consigo fazer isso. Nem sei se ele acreditaria em mim.
_Então todo o seu povo irá morrer. Todo o povo dos seus dias irá morrer espirito do profeta.
_E como eu faço pra sair de onde estou? Como?
_Não sei espirito do profeta. Essa será a sua jornada. Não sei como você
entrou. Não sei como pode sair. – respondeu.
_Mas não existe mais ninguém do seu povo? – Perguntei.
_Foi o selo das almas, espirito do profeta.
_Como assim?
_O grande xamã Espirito da Vida, quando fez sua magia para criar o selo das almas, precisou da força de vida de todas as almas de todo o povo tapakuxi para poder criar o selo das almas. Por isso se chama selo das
almas espirito do profeta. Mas nossos corpos vazios foram jogados no
abismo, junto com os demônios. Os demônios abissais possuem nossos
corpos e os fazem sofrer por todo o sempre.
_Que horrível. Ele sabia que isso iria acontecer com vocês? Que seus
corpos iriam...?
_Não, ele não sabia. Mas foi um preço pequeno a pagar pelo bem de todas
as pessoas do mundo. Por isso sumimos da terra.
_Está bem então. Eu vou achar uma maneira de parar esse sacerdote negro. Acredito que seja aquele tal de professor Bartolomeu.
_Não sei quem é ele espirito do profeta. De alguma forma os espíritos te dirão quem é o sacerdote negro.
_Já me disseram. Agora preciso sair de onde estou. Só mais uma coisa, por
favor. – Pedi.
_Sim, espirito do profeta. Tudo que eu puder fazer. – respondeu o índio.
_Estou esquecendo quem eu sou. Como faço para lembrar? Como faço para não esquecer tudo que você me disse. – pedi a ele.
_Espirito do profeta. A maneira mais fácil de você lembrar é não esquecer.
Fale para você mesmo. O tempo todo. No mundo dos demônios suas
memorias são a primeira coisa que eles irão roubar. Depois vão roubar sua fé. Fuja espirito do profeta. Fuja. A rainha dos demônios está voltando. Ela nos achou. Não posso fazer mais nada para te ajudar espirito do profeta.
_Por favor, quem ela é? Como a reconhecerei? – perguntei uma vez mais.
_Melhor que não a veja espirito do profeta. Mas se a ver corra. Corra
muito. Será fácil reconhece-la. Ela não tem olhos. Somente abismos no
lugar deles. Olhos negros abissais. Terríveis olhos abissais. Todo aquele mundo que eu via começou a derreter. Árvores, riacho, grama,
tudo. E no lugar de tudo aquilo, tudo foi tomando a forma que eu já
conhecia, a minha companheira escuridão. A maldita escuridão novamente.
_Oláááááááá moçoooooooo. Volteiiiiiiii! Quero você pra mim!
– e aquela risada horrenda que trouxeram as malditas agulhas geladas em minha espinha novamente. E lá estava eu correndo de novo. DE NOVO.
Tive a impressão de ter passado horas conversando com o índio. Mas
quando voltei, sei lá de onde, se é que fui para algum lugar, percebia que
ainda estava cansado e que apenas um segundo se havia passado talvez.