Gado

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Ned ficou sem ação. O mundo a sua volta rodava, ruía diante aquela visão hedionda. David gritava algo abafado ao seu lado enquanto tentava recarregar o revólver.

"Não era possível! Não deveria ser, pelo menos."

O sujeito estava com metade do rosto estourado e nem se deu ao trabalho de cair! E o que eram aqueles cabos e fluído fosforescente?

Um turbilhão de perguntas passava pela cabeça de Ned, suficientemente emersivo para que ele nem percebesse a ofensiva da aberração, recebendo uma chicotada do tentáculo negro com luzes azuis que ela tinha feito surgir do punho.

A montaria de Ned recebeu parte do ataque e empinou, derrubando o irlandês no chão. Ele rolou sobre a espingarda, sentindo a pele do toráx arder como se estivesse em brasa.  O cheiro de sua pele queimada foi o antídoto do seu choque.

David se afastou do cavalo, tropeçando e caindo sentado no chão. Com isso, três balas que estavam em sua mão para recarregar o revólver se foram. O sujeito puxou seu chicote simbionte e voltou-se para ele.

David encarou o tambor do revólver com as duas balas que conseguira colocar, rodou o tambor até a munição cheia e apontou para o homem, atirando em seguida.

A bala acertou o sujeito novamente, mas não parou seu ataque. David puxou o gatilho de novo, mas o chicote acertou sua mão, lançando sua arma e dois dedos para longe. Uma falange do dedo mínimo e duas do anelar de sua mão esquerda.

Não houve sangue. Apenas uma ardência forte o suficiente para cauterizar os ferimentos. David começou a respirar rápido demais para que seus pulmões ventilassem ou pudesse gritar.

O atacante se colocou na frente de David, jogando o chicote demoníaco para trás. O oficial fechou os olhos esperando o golpe, quando outro tiro foi disparado.

Ned acertou o sujeito no punho em que o chicote era atrelado. A criatura levantou a mão, observando-a pendurada pelo rádio, sem vida. Ela tentou chicotear Ned, mas isso fez com que o membro terminasse de se desprender.

David se afastou, arrastando-se rapidamente pelo chão em busca de sua arma enquanto a atenção da criatura estava em Ned.

Ned pegou a espingarda pelo cabo, rugindo enquanto golpeava a cabeça do homem com a coronha. Ele empreendeu toda sua força e técnica de lenhador no golpe, fazendo mais sangue e fluído azul espirrar. Como o homem não parou, Ned golpeou mais uma vez. E de novo, e de novo... até que não teve mais espaço para recuar e foi pego pelo pescoço por aquela cria infernal.

O irlandês encarou a face de seu carrasco, com os cabos negros que sobressaltavam dos ferimentos provocados por ele. O olho bom do sujeito o vigiava sem motivação, como uma boneca de porcelana.

Nesse átimo, algo zuniu através da carne do pescoço da criatura, acertando de raspão a orelha direita de Ned. A criatura enfim expressou alguma reação em seu rosto - a da morte; largando Ned e tombando no chão.

Ela se debateu e emitiu um grito agudo, quase um ganido, parando de se mexer logo depois.

Ned se afastou tomando ar, notando o líquido viscoso da criatura perder a cor azulada, como se esfriasse até ser tão escuro quanto o sangue.

Ele passou a mão na orelha que sangrava e notou David com a arma apontada e fulmegante para eles, ainda tremendo devido ao episódio.

A bala de David atingiu a criatura no ponto exato onde a cabeça se ligava ao corpo. Ned agradeceu aos céus, esquecendo que quase foi morto pela mesma bala.

Ele encarou o peito onde a criatura o havia atingido, afastando o pano cortado da camisa e vendo o longo corte cauterizado. Era como se ele tivesse sido marcado com ferro em brasa.

- Santa Mãe do Céu! - David gritou colocando a cabeça entre as pernas - Jesus! O quê... Aaaa! Desgraçado... meus, meus dedos.

- É o fim. - Ned sussurrou fitando o vazio.

- O quê? - David se ergueu - Ned. Oh, meu Deus... eu... eu quase te acertei... precisamos ir para a cidade.

- Não adianta... não adianta, chefia. - Ned disse dando a volta e cambaleando para a entrada. Ao fazer isso, notou vários homens e mulheres parados na estrada.

David também os notou. Deveriam estar ali há algum tempo, mas nenhum deles demonstrava reação. Como se...

- Maldição. - David resmungou - Ned, quantas balas você ainda tem? Ned? Ei, você está me ouvindo?

Não. Não estava.

Ned sabia que eles o pegariam. Aquele povo tinha vindo do inferno para o fazer pagar pelos seus pecados. Por ele ter matado seu irmão, na Irlanda. Era isso. Seu nêmesis!

Ned deixou suas lágrimas saírem e começou a gargalhar, se deslocando até o cavalo de David, que estava amarrado a porteira.

- Ned? Ned, o que está fazendo? Droga!

Era tarde demais. Ned montou no cavalo, sendo ignorado pelos possíveis atacantes, abandonando David à própria sorte com aquele rebanho do inferno.

A Ordem de CaronteOnde histórias criam vida. Descubra agora