O avental de Margareth estava vermelho e úmido. O cheiro de sangue estava impregnando o local. O doutor West estava tentando cauterizar o ferimento. Ao lado, o braço de Absalon jazia pálido sobre uma mesa junto da serra. Quando Margareth passou pelo corredor com os panos imundos de sangue, ouviu o gemido aterrorizado de Judith.
"Que não seja o que ela disse, por Deus não!'' pensou a jovem.
Após algumas horas, todas as feridas de Absalon estavam tratadas. A cada hora as faixas tinham que ser trocadas. Absalon ardia em febre e lutava contra a infecção, tendo dois ataques pela noite com gritarias frenéticas e frases desconexas. A palavra mais recorrente era "asas". O toco do braço estava totalmente enfaixado e imobilizado e mesmo assim ele conseguiu arrancar as faixas e abrir alguns pontos em um dos ataques.
Pela manhã encontrou Judith ao lado do esposo. Ele havia sido amarrado a cama em decorrência dos ataques. Os olhos dele fitavam o quarto enquanto balbuciava seus devaneios.
"Asas...asas...asas..demônios...asas"
A jovem negra estava desolada, chorava quieta abraçando a coxa do marido e esperando que ele voltasse ao normal. Cheiro de urina e fezes enchiam o local. Judith ajudou Margareth a limpar o homem e retorná-lo ao leito.
- Ele vai voltar ao normal, não vai? - Judith perguntou quando o Doutor West veio vê-lo.
- Ele é um homem forte. - respondeu - Perdeu muito sangue e suportou uma cirurgia dolorosa. Está em choque. A mente dele está tentando se recuperar.
- Vai levar muito tempo? - ela perguntou angustiada.
- Quem sabe? A mente é um mistério. Ele pode voltar a si hoje ou daqui seis meses. É uma batalha que ele terá que travar.
Era uma resposta difícil de ser ouvida. Margareth começou a admirar a mulher por estar sendo tão forte naquele momento.
Naquela tardeo Inspetor David foi até o consultório. Margareth notou que ele estava com uma aparência cansada, quase derrotista quando chamou Judith para conversar em um canto. Margareth viu de longe a mulher se alterar com ele e lá no fundo ela já sabia do que e de quem se tratava e tentou não interferir.
Mas se sentia responsável demais devido ao nome. Odiava ele! Como odiava. E o sentimento era recíproco. Um jovem policial entrou no consultório e disse algo ao ouvido de David. Ele se despediu e saiu apressado pelo saguão.
- Margareth? - chamou o doutor - Parece cansada. Foi muita ação para você o que houve aqui.
- Estou bem doutor. Não se preocupe. Sabia dos riscos ao escolher essa carreira.
- E está se saindo muito bem, diga-se de passagem. Mas creio que ouvir as acusações da mulher possam a deixar envolvida demais. Digo, emocionalmente.
Margareth engoliu o sentimento. Estava tentando não se envolver, mas a cada hora que se passava se sentia mais responsável. Ver aquele homem perder o braço e ter sido torturado daquela maneira ajudava ainda mais em se sentir daquele jeito.
- O senhor tem razão. - respondeu a moça - Vou para casa. Acredito que a Melody consiga cuidar do resto.
- Eu também estarei aqui, não se preocupe.
David chegara à casa do Chefe de Polícia Hanagam. Era um belo sobrado na parte nobre de Montgomery. O sujeito tinha até certa posse para o cargo que ocupava. Tocou o sinete à porta e esperou até que uma governanta a abrisse. Entrando na casa se deparou com uma belíssima decoração européia, quadros, esculturas, tapeçarias de vários lugares do mundo que em seu pouco conhecimento histórico e cultural, David não podia detalhar ou identificar. A governanta, uma mulher austera e velha, pediu para que ele aguardasse o Senhor Hanagam na biblioteca.
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A Ordem de Caronte
Mystery / ThrillerA narrativa se passa na antiga capital dos Estados Confederados: Montgomery, Alabama. Alguns negros começaram a desaparecer nos arredores da cidade. A suspeita recai principalmente num importante latifundiário da região, que após o final da Guerra C...