Capítulo 4

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Cheguei em casa toda animada e contei a mamãe tudo o que eu tinha visto e todas as coisas que haviam acontecido. Contei a ela o quanto a casa era grande e bonita. Contei sobre todos os funcionários que a Monique tinha. Contei até mesmo sobre os filhos com cara de refinados e sobre como a família toda andava arrumada, mesmo estando em casa.

A noite, mal consegui dormir, de tão apreensiva que estava com tudo aquilo. Tudo seria diferente dali pra frente. E, além disso, eu ainda tinha que procurar saber sobre em qual faculdade eu iria me matricular e quando​ seria o vestibular.

No dia seguinte, me levantei às quatro da manhã. Eu já havia me despedido da minha mãe no dia anterior, pois eu não sabia quando poderia voltar para vê-la, mas, ainda assim, acordei-a antes de sair para me despedir novamente. Eu e a mamãe éramos tão próximas... Ia ser difícil passar semanas ou até meses longe dela. Mas eu sabia que aquilo era preciso. Sabia que era para o meu melhor e para o melhor dela também.

Enfim, peguei o ônibus das 4:30 da manhã. Quando cheguei ao rio, já passavam das 7:30. Peguei ainda o segundo ônibus e (finalmente!) cheguei à casa da Monique. Assim que entrei, ela me apressou para que eu fosse logo vestir meu uniforme e pediu minha carteira de trabalho para assinar.

Tive que preparar o café da manhã (apesar de que eu sempre achei que essa fosse a função do mordomo). Monique ficou na minha cola o tempo todo. "Pegue aquela xícara em vez dessa", "coloque a cesta de frutas na mesa", "cadê a geleia? Meus filhos não comem torradas sem geleia" e blá, blá, blá. Ficou só cobrando. Eu não​ entendia o por que de toda aquela frescura. "Vai entender o que se passa na mente desse povo rico", era o que eu pensava. Depois, ela pediu Antônio para chamar o Gabriel e a Giulia para o café.

- Ei, Maria Gabriela, você por acaso quer tomar o café da manhã com a gente?- Gabriel perguntou, assim que se sentou à mesa.

- Ai, Gabriel... Desde quando a doméstica toma café da manhã com a gente? - Giulia respondeu, com aquele ar de superioridade.

- Ué, não posso convidar não? Só estou tentando ser educado.

- Aham, educado, sei... E por que será que você nunca foi "educado" com nenhuma das outras empregadas que tivemos? - Giulia falou, claramente tentando provocar o irmão.

- Chega, meninos, não precisa dessa discussão logo de manhã! - Monique interrompeu - Gabriel, a Maria Gabriela terá tempo de sobra para tomar o café dela depois que nós terminarmos.

Entendi na hora que ninguém queria que eu me sentasse naquela mesa, apenas o Gabriel. Mas, no fim das contas, achei justo. Não era mesmo normal a empregada se sentar à mesa para tomar o café da manhã com os patrões.

- Não, tudo bem, Gabriel, podem tomar o café da manhã de vocês sossegados, depois eu tomo. - falei, para que o clima não ficasse tão sem graça.

- Está vendo, filho? - Monique falou.

Depois de os três tomarem o café da manhã, Monique disse:

- Ah, Maria Gabriela, eu ainda nem te mostrei seu quarto, não é? Fiquei tão preocupada com o café da manhã que me esqueci totalmente disso. Então, venha comigo, pegue suas malas e eu te levarei até lá.

A casa tinha apenas dois andares, mas, ainda assim, não deixava de ser uma mansão. Pensei o quanto seria trabalhoso limpa-la e organiza-la todos os dias. Eu gastava apenas umas três horas para fazer isso na minha antiga casa, com a mamãe. Agora eu gastaria uns três dias.

No elevador, não rolava nada além de um silêncio desconfortável. Até que, finalmente, chegamos até o tal quarto. Na realidade, era o sótão. Um sótão escuro e empoeirado, por sinal. Não acreditei que ela iria me dar o sótão pra dormir, sendo que haviam vários quartos vazios na casa, onde eu poderia muito bem ficar. Acho que minha indignação ficou estampada no meu rosto, pois ela perguntou:

- Que foi, que cara é essa? Não gostou do quarto?

Não.

- Não, que é isso? Está tudo bem, obrigada pelo quarto. - falei, tentando colocar no rosto meu melhor sorriso.

- Hum, é bom mesmo você não reclamar. Tem sorte por eu ter te dado um quarto. Aliás, tem sorte por eu ter te dado esse emprego! E não fique aí me olhando com cara de peixe morto. Vai trabalhar, está esperando o quê?

- OK, já estou indo, não precisa ficar nervosa. - respondi isso, mas na realidade o que eu queria responder mesmo era, bom, era impróprio para menores.

- Você ainda não me viu nervosa, garota. - ela falou, dando a entender que era ainda mais grossa com os funcionários, ou, talvez, apenas com a funcionária "eu"

Depois disso, desci as escadas (sim, eu preferi usar a escada do que o elevador) e fui tirar a mesa e lavar a louça. Enquanto eu lavava a louça, Gabriel apareceu na cozinha e perguntou:

- Quer ajuda?

OK, se eu falasse que não fiquei surpresa com essa pergunta eu estaria mentindo.

- Não, Gabriel, de forma alguma! Essa é minha função, estou sendo paga pra isso.

- Ah, Gabriela, que é isso, isso não é nada. Aliás, desculpa a grosseria da minha mãe e da minha irmã durante o café hoje. Elas são um pouco mal educadas com os funcionários às vezes. Não que eu concorde com elas. Tem certeza que não quer mesmo ajuda?

- Tenho. - falei isso e dei uma risadinha - E você não precisa pedir desculpas por elas. Não foi você quem fez aquilo.

- Ué, alguém precisa pedir. Aliás, quantos anos você tem?

- Estou fazendo dezoito hoje. E você?

- Ah, é seu aniversário? Que coisa boa. Eu tenho 20. Eu imaginei mesmo que você tivesse essa idade. Nunca tivemos uma empregada tão jovem... E nem com uma aparência como a sua.

Demorei alguns segundos para entender o que ele havia quisto dizer. E quando entendi, finalmente, meu rosto corou. Eu nunca havia sido chamada de bonita por nenhum garoto. No máximo pela minha mãe e pelo meu já falecido avô. Fiquei olhando para ele, sem saber ao certo que tipo de resposta dar.

- Ah, desculpa. Acho que me precipitei um pouco demais em dizer isso. - Gabriel falou, percebi que ele também havia ficado realmente envergonhado.

- Não precisa pedir desculpa. Obrigada pelo elogio, se é que posso chamar assim. - falei, dando um sorriso pra quebrar um pouco o clima sem graça que havia se instalado entre nós. Para minha sorte, ele sorriu de volta.

Nesse momento, Monique apareceu na cozinha. Gabriel estava ao meu lado, parado em frente a pia, como eu.

- Pediu meu filho para ajudar você? Que bonito, hein? - Monique falou, praticamente gritando.

Para minha sorte, Gabriel respondeu por mim.

- Não, mãe, ela não pediu nada, aliás, eu ofereci ajuda e ela nem sequer aceitou! Eu não estou lavando a louça, se é o que você está pensando. A gente está apenas conversando!

- Ah, Gabriel, seu bobinho, sempre dando atenção a ralé! Ela é nossa empregada, eu não a contratei para conversar. Aliás, não perca seu tempo conversando com ela. Não quero que você a faça perder a concentração no trabalho. Agora, vá lá para a área da piscina tomar um pouco de sol. O dia está tão lindo, não perca tempo aqui dentro, tentando ajudar a doméstica.

- Mãe, pare de chama-la de doméstica, ela tem um nome! Por que você não entende que eu vim conversar com ela por que eu quis, que eu não estou fazendo isso por pena dela? - ele falou, parecia estar nervoso.

- Gabriel, não fale comigo nesse tom! Sou sua mãe, você tem que me respeitar! E você, garota, o que está olhando? Volte ao trabalho! - Monique gritou. Percebi que aquela família era muito mais problemática do que eu havia pensado. - Por que você não é como sua irmã, hein, Gabriel?

- Preferiria morrer do que ser como minha irmã. - Gabriel disse isso e saiu.

Monique fez aquela cara de que não estava acreditando que ele havia falado aquilo e também saiu, logo em seguida. Achei que ela fosse ir atrás dele, mas não. Foram cada um para o seu lado.

Voltei ao trabalho, como Monique havia ordenado. Mas fiquei pensando: qual era o problema daquela mulher? Por que ela tinha que ser tão grossa comigo? Pelo pouco que eu havia visto, ela não tratava nenhum outro funcionário tão mal quanto tratava a mim. Demorei um bom tempo para descobrir o motivo daquilo. Mas, quando eu descobri, isso mudou minha vida por completo.

(Quase) Perfeita - PAUSADAOnde histórias criam vida. Descubra agora