A GENTE SÓ ENTENDE CERTAS COISAS SENTINDO NA PELE.
Sonhamos com muitas coisas quando somos jovens. Uma delas é com o primeiro emprego, de preferência fantástico, com uma ótima remuneração, um patrão gente fina e um reconhecimento gradativo. Mas só quem já saiu distribuindo currículo de porta em porta sabe o quanto é difícil encontrar um primeiro emprego razoavelmente bom, quiçá um primeiro emprego fantástico. Um ano atrás eu nunca imaginei que diria isso, mas hoje eu digo sem peso na consciência que prefiro morrer virgem se a primeira relação amorosa for tão traumatizante quanto está sendo a minha experiência com meu primeiro emprego.
Nenhuma sociedade se sustenta sem a classe trabalhadora. Peguei ranço dessa afirmação depois que aceitei a proposta de emprego oferecida pelo proprietário do Caraminholas, o maior e mais sofisticado salão de festas da cidade. Fica a pergunta: Onde eu estava com a cabeça quando pensei que dar vida à fantasia da mascote de um Buffet Infantil seria uma boa ideia?
Sei que nada tenho a ganhar pensando tão negativamente. Pode não ser aquilo que sonhei para mim, mas esse primeiro emprego pode me servir de base para todos os outros que virão depois, sobretudo porque é de baixo que se começa a subir na vida. Não importa se seja com um rolo de pão na mão, uma sacola para empacotar, uma prateleira para arrumar, um tênis para vender, uma fantasia para vestir... O primeiro emprego serve para entender que a realidade não é tão simples e rápida. E que degraus precisam ser escalados para alcançar o topo. Logicamente é desmotivador querer ser uma coisa e se ver em outra, mas ninguém jamais será maior do que sonha sem entender as coisas pequenas.
Eram quatro horas da tarde quando terminamos de espalhar os cartazes do bazar solidário pelos pontos da cidade. Quando Guto me deixou na portaria do Graville meus ombros estavam dolorosamente queimados devido à exposição prolongada ao sol. Cuidadosa que só, tia Carmem preparou suco natural para suprir minha desidratação e aplicou compressas molhadas sobre o meu corpo para ajudar a baixar a temperatura da região lesionada. Seus esforços infelizmente não foram suficientes para suprimir totalmente a ardência da minha pele.
— O que acha de telefonarmos para o Vladmir e informar a ele que você está indisposta para comparecer ao trabalho hoje?
— Sem cogitação, tia. O que será do Caraminholas Buffet Infantil sem a ilustre presença de sua mascote oficial? O Vlad surta se eu fizer isso.
Morangotango. Era esse o nome da personagem que meu patrão criou para encantar as crianças durante as festas de aniversário realizadas no Caraminholas. Meu salário, que já não era muito, não pagava tamanha vergonha de dar vida a essa monstrenga. Sem brincadeira, eu acho que a mulher contratada para costurar a fantasia da mascote devia ser bem cegueta ou odiar crianças, pois não aplicou nada de cores, sorrisinhos e encantos. Morangotango era tão bisonha que parecia ter saído de um filme do Tim Burton.
— Sua pele, pombinha. Você precisa cuidar dessa vermelhidão.
— Eu sei. Mas não posso faltar hoje. Prometi que eu ia.
Era o relacionamento de cumplicidade que me fazia ter forte ligação com meu patrão, fazendo com que eu me agarrasse a esse emprego como se não existissem outras opções melhores no mundo. Antes de conhecê-lo eu nunca imaginei que patrões pudessem ser tão incrivelmente humanos. Vladmir Belinello Junior — Vlad para os mais íntimos — nada tinha a ver com aquele tipo de patrão sisudo, capaz de negar aos pobres funcionários um singelo elogio ou um "até amanhã" no final do expediente. Não, Vlad era diferente. Era aquele tipo de patrão em extinção, do tipo camarada, do tipo parça, do tipo disposto a ouvir um desabafo, a dar um conselho, a ajudar um funcionário no que der e vier em um momento de dificuldade. Claro que não era todas as vezes que ele cumprimentava ou agradecia alguém com beijos e abraços. Contudo, ele nunca deixou de sorrir e terminar uma conversa com um "tamo junto", gíria que se tornou sua marca registrada. Eu não tenho certeza se este é um pensamento correto de se ter, mas se eu pudesse escolher um pai para mim, eu o escolheria sem pensar duas vezes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Antidepressivo Amoroso Perfeito (Completo)
Novela Juvenil+16 | Vick, de 18 anos, namora Guto Martins, um capoeirista adepto aos anéis de castidade que ela conheceu muito por acaso no dia em que prestou o Exame Nacional do Ensino Médio. Embora tudo pareça perfeito, um trauma no relacionamento dos pombinhos...