01. Banheira de Segredos

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ERA DE SE ESPANTAR O NÚMERO DE GENTE QUE TRANSITAVA DE UM LADO PARA O OUTRO ENTRE A FILA DE VEÍCULOS DAS AUTOESCOLAS.

Mesmo que faltasse muito para o meio-dia, o sol já radiava estonteante num céu que se estendia como um oceano acima de nossas cabeças. O calor do cão logo nas primeiras horas do dia me fez pensar o quanto os meteorologistas estavam certos quando alertaram nos noticiários que o Brasil viveria o inverno mais quente dos últimos dez anos. O número de pessoas que vieram acompanhar os exames práticos de habilitação veicular aumentava ainda mais sensação de calor. E também ampliava a sensação de pânico e ansiedade daqueles que precisavam se concentrar para executar o exame. E essa sensação horrível só me fez pensar em coisas ruins, do tipo que nada poderia dar certo, assim como não deu certo nas duas tentativas anteriores. Vai parecer piada, eu sei, mas era a terceira vez que me submetia à avaliação veicular. Terceira vez!

Do outro lado, havia um monte de pessoas paradas olhando e torcendo pelos aspirantes a motoristas; a maioria delas familiares dos alunos. Minha tia me acompanhou nas vezes anteriores, mas dessa vez quem veio comigo para prestar aquele apoio moral foram os meus amigos, Fran e Carlito. Os dois me observavam não muito longe do carro que me deram para manobrar. Eu me pus a encará-los da janela. Eles estavam tão animados, até cartazes eles trouxeram em apoio. Era um dever meu não fazer feio. Ou pelos menos não atropelar nenhum cachorro de rua, igual aconteceu no último exame.

Enquanto eu tentava não perder a concentração das coisas, pensando em acelerador, freio, marchas, controle de embreagem e outras mil coisas ao mesmo tempo, Marcelo, meu instrutor de trânsito, surgiu com a cara na janela do carro.

— Como tá o coraçãozinho da minha bebezinha linda? — ele quis saber. — Tudo sob controle aí?

Seria uma injeção de positividade se eu respondesse "É claro que sim, estou pronta para voltar para a casa com a CNH na mão", mas a única coisa que consegui dizer foi:

— Olhe bem pra mim e diz você se pareço estar sob controle.

Marcelo ignorou a grosseria e sorriu.

— Fica fria, neném. Tudo vai dar certo se for para dar certo.

— Não sei. Estou a beira de um surto.

— Relaxa. A avaliadora que vai acompanhar os trajetos hoje é bem de boa. Você só precisa acertar a baliza. Não tem erro. Dessa vez vai. Ou vai ou racha.

— Queria eu ter essa convicção.

— Você não confia em mim não, neném?

— Aff, Marcelo! Pare de me chamar assim.

— De neném?

— É. Você sabe que eu não gosto.

— Ué, não gosta por quê? Não acredito que apelidos carinhosos incomodem tanto você assim.

— Aqueles que não damos permissão incomodam sim. Bastante.

— Quer saber? Vou dar atenção à outra aluna. Você tá muito azedinha hoje!

— Você veio aqui pra isso? Pra me chamar de azedinha?

— Não. Eu vim te desejar boa sorte e dizer que nada de errado vai acontecer.

Forcei um sorriso.

— Valeu. Mas não tenho tanta certeza disso.

— Você é muito insegura.

O Antidepressivo Amoroso Perfeito (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora