Eram 16:20 , mais 10 minutos e iria tocar para a saída . Eu estava sentada numa das mesas do fundo da sala , e não conseguia prestar atenção à aula . O meu olhar fixava-se sempre em Maryna que estava na outra ponta da sala . Será que ela e Stephan já se conheceram antes ? Se sim , o que será que tinha acontecido ?

- Vivi , fazemos o trabalho juntos ?

Olhei para Jack e acenei com a cabeça em sinal de afirmação . E vocês perguntam-se " Quem é o Jack ? " e eu respondo " É o meu amigo de infância por quem eu me apaixonei durante 10 anos " mas felizmente esse "amor" já passou . Agora somos apenas amigos e vizinhos . Sim , porque ele mora mesmo à minha frente , que curioso não é?!

- Que se passa ? - perguntou ele .

- Discuti com a Maryna ...

- Pois ... Já ouvi dizer ...

- Andam a falar disso aí na escola ? - perguntei sobressaltada .

- Não é bem isso ... Só que um pessoal estava a comentar e... - interrompi-o .

- Ou seja , andam a falar disso . - disse secamente .

Ele suspirou e afirmou .

- Mas não ligues Vivi , eles não sabem do que falam !

- Eu nunca fui falada na escola Jack !! E agora já não posso dizer o mesmo !

- Pode ser que te tornes popular - ele riu - Depois não te esqueças de mim !

Como alguém se podia esquecer dele ? Jack era perfeito ! Cabelo castanho , olhos castanhos muito claros e esverdeados , alto e magro . Um tom de pele dramaticamente moreno e sempre bem vestido. Tinha aquele carisma de machão, de quem tinha todas a seus pés sem se ter de esforçar. E a personalidade ... Aquela personalidade era uma dádiva. Completamente simpático e amoroso, charmoso e cheio de carisma , empenhado e com objectivos de vida , determinado e corajoso . Era considerado líder do grupinho de amigos dele e era bastante habilidoso . Tudo o que ele queria ele conseguia . Mas claro , como qualquer ser humano ele também tinha defeitos : vingativo como tudo , teimoso e rancoroso . Entendem o porquê de quando era mais nova me ter apaixonado por ele ?

*
Quando cheguei a casa não estava lá ninguém. Era estranho pois a minha mãe tinha saído do trabalho às 17:00 e o meu pai estava de folga . Deitei-me no sofá e fiquei a ver um filme secante que passava num daqueles 4 canais dos velhinhos . Passado pouco tempo a porta de casa bate e ouço gritos .

- Nunca pensei que fosses capaz ! - gritava a minha mãe enquanto ia acelerada para o quarto deles .

- Só peço o teu perdão! Não é bem o que parece ! Eu amo-te Constance ! - a voz do meu pai soava desesperada .

Levantei-me e fui ver o que estava a acontecer . Os gritos entre eles aumentavam e eu permaneci parada à porta do quarto deles , calada e quieta , a assistir a tudo . A minha mãe começou a arrumar roupa numa mala , o meu pai tentava agarra-la e ela empurrava-o . Pela discussão apercebi-me que isto se tratava de traição: o meu pai tinha sido apanhada a trair a minha mãe . Eles passaram por mim e continuaram a discussão na sala , quase na porta . O meu pai já gritava mais do que a minha mãe e começou aos murros a tudo . Encostei-me a uma parede , quieta e comecei a chorar . Quando era pequena assisti a várias coisas que me criaram traumas . E sempre que os vejo assim , parece que volto a ter 5 anos . A minha mãe sai e bate com a porta . Caminho meio trémula até ao meu pai , e entre soluços ainda consigo dizer alguma coisa .

- Onde foi a ... Mãe?

- A merda da tua mãe foi para a casa de uma amiga qualquer . Estou farto desta merda !

Ele começou aos murros a tudo : jarras , quadros ... Eu não podia ficar mais ali . Corri para o meu quarto e sentei-me à chinês na cama . Continua a ouvir o barulho da destruição do meu pai . Quando finalmente a casa voltou ao silêncio fui espreitar e ele estava agarrado a duas garrafas de vinho . Escondi-me atrás do sofá quando o vi a levantar da cadeira e fiquei a vê-lo . Pegou numa foto minha , dele e da minha mãe e parou à porta de casa a chorar . Depois simplesmente foi embora .

E eu ? Onde fico eu no meio disto ? Aqui sozinha no meio de garrafas de vinho entornadas , jarras partidas e quadros caídos? Fico aqui eu , o suposto fruto da união de um amor , a sofrer no meio da destruição causada pelos problemas de comunicação deles ? Isto não era justo ! Corri para o meu quarto , guardei na mala da escola uma muda de roupa e mandei mensagem a Stephan :

" Dá-me a tua morada pff "

E não demorou muito até ele me enviar a morada . Apanhei um táxi e quando cheguei à frente da casa parei à porta e inspirei fundo . Contive as lágrimas e bati à porta .

- Olá! - uma senhora com um ar amável abriu a porta . Calculei que fosse a mãe de Stephan .

- Boa noite ! O Stephan está?

- Está a jantar querida .

- Ahn ... Desculpe incomodar... - recuei uns passos .

- Mas entra ! Junta-te a nós!

Entrei e jantei com a família de Stephan . Ele pediu permissão para eu dormir em casa dele , explicando que eu era uma colega de turma que andava a passar por dificuldades. Os pais dele eram tão compreensivos . Acolheram-me super bem . Se fosse ao contrário os meus pais nunca o deixariam lá dormir .

*

00:00 e nós já na cama . Eu estava deitada num colchão ao lado da cama de Stephan . Não tínhamos conversado muito ainda . Ele estava muito ocupado no telemóvel a tratar de assuntos da equipa . Virei-me no colchão , ficando de costas para a cama dele . Porquê? Porque é que o meu dia estava a correr tão mal? Como é que acabei em casa de Stephan a passar a noite por medo de estar sozinha ? As lágrimas estavam a vir de novo . Engoli o choro baixinho , e agarrei os lençóis com força contra a minha cara .

- Viviane ?

Não respondi . Não me apetecia falar . Só queria um abraço, algo que me fizesse sentir segura .

- Miúda não chores .

Agarrei com mais força os lençóis.

- Deita-te aqui . - pedi baixinho .

- O quê?

- Deita-te aqui - repeti no mesmo tom .

Ele sentou-se na cama dele e inclinou-se na minha direcção.

- Miúda tu estás a falar muito baixinho , não consigo perceber .

- Deita-te aqui ! - repeti alto .

Não foi preciso repetir mais nenhuma vez . Ele levantou-se e senti-o a deitar-se ao meu lado . Encostou-se a mim e meteu o seu forte braço por cima do meu corpo dando-me a mão.

- Não te preocupes . Tudo passa .

E foi a única coisa que ele disse . E eu não falei mais . Ficamos agarrados , calados , colados . A noite estava algo de fria e sabia bem aquele calor humano , aquele calor que eu nunca tinha experimentado . Que eu nunca tinha sentido . Virei-me de frente para ele e olhei-o . Ele puxou a minha cabeça e enterro-a no seu peito , apertando-me contra ele . Era ali que eu queria ficar. Nos braços de Stephan . A noite toda .

As mãos de Stephan fizeram carícias por todo o meu corpo . Toda a noite . E foi assim que passei aquela noite . Agarrada ao meu primeiro erro .

DecemberWhere stories live. Discover now