Capítulo 23

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A festa no restaurante era farta, considerando a nova política que o banco adotara. Havia um bolo, flores e presentes. A primeira coisa que Ellie notou foi a ausência de Sam. A decepção foi cruel, mas escondeu esse sentimento dos amigos, que a rece­beram carinhosamente com abraços e muitas per­guntas sobre o novo emprego.

Foi impressionante como alguns minutos ouvindo as conversas sobre o banco a fizeram se sentir uma estranha. Eles brindaram em homenagem a ela e fi­zeram discursos, e ela se forçou a fingir que uma mu­dança de emprego era o que mais queria no mundo.

Perto do final, todos ficaram em silêncio e se acomodaram nas cadeiras. Ela ficou tensa e viu a figura autoritária de Sam na porta.

Os olhos escuros procuraram na multidão até que se acenderam ao encará-la. Ela viu o rosto dele ficar tenso e depois inexpressivo.

Ele foi até ela e a cumprimentou educadamente.

Ellie tentou responder normalmente, mas seu co­ração palpitava pelo estresse e ela mal conseguia olhá-lo nos olhos. Estava consciente dos insultos que o ofenderam da última vez. Mas como sempre. diante de seus funcionários, ele permaneceu calmo e composto. Jamais estivera tão lindo, inacessível e desejável.

Ele preparava um discurso, e ficou de pé para lê-lo de maneira simpática e à vontade, sabendo exa­tamente que tom usar.

Ela ouviu todos os elogios que ele fez com olhos baixos e um sorriso para encobrir as feridas. Ele deve ter tido muito trabalho para elaborar o discur­so, pois descobrira histórias divertidas sobre o pas­sado dela no banco. Os amigos lembraram e riram abertamente.

Apesar da turbulência no coração, Ellie também riu. No final, ela ficou de pé para receber o costu­meiro presente do banco. Como sempre, um reló­gio, elegante e aparentemente caro. Quem escolheu fez com carinho.

Sam esticou a mão e Ellie a apertou. Ao sentir a familiar pulsação acelerada, teve que descer o olhar para encobrir as lágrimas. Ele se inclinou para ro­çar os lábios em sua face. A aspereza masculina do queixo despertou lembranças de prazeres desperdi­çados. Depois de cessados os aplausos, ela não sen­tiu confiança para pronunciar um discurso e apenas agradeceu a todos pelo carinho.

Temendo exceder a hora de almoço na presen­ça do chefe, os funcionários começaram a voltar para seus trabalhos. Quando o último grupo se foi, a equipe do restaurante apareceu para arrumar as mesas.

Ela pegou seus presentes e flores. Ao contrário dos demais, Sam não havia ido embora ainda. Ela o olhou com incerteza e ele indicou com a cabeça um canto perto da janela, longe do trabalho dos garçons, depois de um segundo de hesitação, ela o seguiu.

O momento ficou tenso e eles falaram ao mesm0 tempo.

— Você já...

— Você...

Os dois deram uma risada tensa e Sam recomeçou, — Há algo que preciso perguntar. Você se lem­brou de sua promessa de acompanhar minha mãe ao casamento?

— Oh! O casamento! — Ela havia esquecido. Com os acontecimentos da semana anterior, jamais se lembraria. — Tem certeza de que ainda quer que eu vá? Não prefere contratar outra pessoa? Cortar todas as ligações indesejáveis?

— Não há outra pessoa. Minha mãe ainda conta com você. Ela está obcecada por sua companhia.

— Entendo. Bem, eu prometi. — Ela sentiu um nó no estômago ao se lembrar das coisas terríveis que dissera sobre as promessas dele.

— Sam... Desculpe-me pelo que disse na última vez que conversamos. Eu estava aborrecida... Pelo emprego. Mas eu não devia ter sido tão grosseira.

— Não precisa se desculpar por nada.

Houve um silêncio constrangedor. Ela percebeu os sons de panelas provenientes da cozinha. Ele tocou seu rosto com o dedo.

— Você se estabelecerá na nova empresa e será feliz, Eleanor. Lamento que teve que ser assim. La­mento que tenha se magoado. Que eu tenha... magoado você.

Ela sentiu a garganta fechar.

— Belo relógio. Quem escolheu?

— Oh... Um joalheiro trouxe alguns para eu ver...

Seriam safiras de verdade?

Ele esticou as mãos e a segurou com firmeza pe­los braços.

— Não foi o que você pensava. Você sabe que um de nós tinha que sair.

A emoção invadiu o coração dela. Desejava cair nos braços dele e permitir que Sam a beijasse. Mas não ousava arriscar.

— Eu sei. — Com um movimento rápido, ela se soltou. — Não se preocupe. Estou bem, minha vida está bem, tenho um novo emprego e gosto dele tanto quanto gostava daqui. Não poderia estar mais otimista quanto ao meu futuro.

Ela esperava que ele não percebesse o quanto estava mentindo. Podia senti-lo. examinando seu rosto.

— Você realmente se conformou com a situação?

O que ele queria dela? Queria mesmo saber o quanto sofrerá depois que ele a dispensara, o quan­to sentira medo e esperança com a possibilidade de revê-lo hoje?

Ela soube, então, que não desejava que ele se sentisse culpado. Tinha tanta culpa quanto ele. Era hora de se afastar com cabeça erguida e sem ressen­timentos.


— Não nego que tem sido difícil. Mudanças sem­pre são. Mas a longo prazo me fará bem. Uma coisa que percebi ao vir aqui hoje é que fiquei tempo de­mais no mesmo lugar. Você estava certo. Preciso ser mais ambiciosa. Foi uma pena ter acontecido daque­le jeito. Mas sou uma mulher obstinada, conheço as regras... Sempre conheci, e não me arrependo.

— Você conhece as regras. — Ele olhou para o relógio. — Vamos a algum lugar onde possamos conversar.

Ele abriu o celular e fez alguns contatos, depois a conduziu ao elevador. No percurso até o aparta­mento dele, o silêncio pesava.

Os aposentos estavam iluminados, esperando o dono. Sam abriu algumas persianas para deixar en­trar a luz da tarde.

— Uma bebida?

Ela balançou a cabeça. Ele serviu um drinque para si e afrouxou a gravata.

— Venha por aqui. Por favor.

Ela o seguiu, insegura. Foram até uma sala de estar que levava a um espaçoso quarto com móveis essencialmente masculinos, incluindo uma vistosa cama. Uma cúpula de vidro no teto deixava passar a luz da cor da tempestade.

Ele se virou para encará-la com o rosto tenso e os olhos intensos.

— Eu havia decidido não vê-la novamente.

O coração de Ellie doía, e ela teve que cruzar os braços sobre os seios como se pudesse se proteger de mais ferimentos. Por que se submeter a isso?

— Então por que... — Ela fez um gesto inarticulado. — Por que estamos aqui?

— Você sabe por quê. — Ele parecia lutar contra o orgulho. Andou em sua direção e levantou as mãos como se fosse tocá-la, mas se controlou e baixou-as novamente. — Sabe o que quero. O que queremos.

O fogo nos olhos dele deflagrou o velho desejo por ela. Como se lesse o conflito em seu rosto, ele se afastou. Continuou a falar andando de um lado para o outro.

— Sinto um enorme remorso por ter magoado você.

Não sou totalmente sem coração. Admito que não en­tendia o quanto o trabalho no banco significava para você. Esperava que entendesse que outro trabalho, em outro lugar, tornaria uma relação mais fácil para nós... Pelo seu silêncio, Eleanor, fui levado a crer que para você o trabalho era tudo. — Os ombros dele estavam tensos enquanto ele esperava por uma resposta.

Sonhos de Uma NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora