Capítulo 5 - Não me AME

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AVISO DE GATILHO.
O capítulo a seguir, apesar de ser leve comparado aos outros, ainda relata o cotidiano de uma pessoa com transtornos psicológicos, tais como: depressão, ansiedade, anorexia, bulimia e o TOC.
Tais cenas podem gerar crises, por isso, peço que leiam com cuidado e tenham consciência de seus limites.

Obrigada pela atenção,
Boa Leitura!

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Adams possuía cerca de quinze anos quando conheceu Marina, havia acabado de ingressar no ensino médio de uma das escolas particulares mais bem requisitadas da cidade em que moravam. Ao contrário dele, a menina vinha de uma família classe média e, por isso, estudava na escola por ter ganhado uma bolsa de estudo, a admirava por isso. Naquela época, já sonhava em ser design de moda, porém, ainda usava seu cabelo no tom natural — foi só quando retornou de uma longa viagem que aderiu as madeixas rosadas.
Ainda se lembrava da primeira vez que a viu por completo e de como se sentiu ao ter seu coração querendo escapar pela boca — era um dia chuvoso e a menina não tinha maneiras de retornar para casa, pois havia perdido o transporte. Gentilmente, ele a ofereceu uma carona. Foram poucos minutos até chegar na casa da adolescente, mas mesmo assim, acabou caindo de amores pela garota. Não demorou muito para que ambos tivessem seu primeiro beijo, e, apesar de ele ter sido da forma menos especial possível, o garoto continuava feliz — sentindo-se único. Não se imaginava sujo, imundo, ou algo do gênero. Estava apenas feliz, apaixonado.

O primeiro beijo de ambos foi nas escadas do colégio e durou poucos segundos, poderia não ser memorável para ela, mas foi marcante para ele. Estavam conversando sobre roupas e o trabalho do menino, a garota falava com naturalidade e não parecia interessada em adquirir vantagem do mais novo, pelo contrário, era inocente — e orgulhosa — demais para isso, se aproximou com cuidado, como se a qualquer momento pudesse ser afastada.

E o beijou.

Ele acreditou que aquilo fosse durar para sempre. Namoraram por quase dois anos inteiro, até que Marina recebeu uma bolsa para estudar fora — em Paris, a capital da moda —, pensou em pedi-la para ficar, mas sabia o quão injusto era aquilo. Não queria implorar ajuda para seu pai, por isso, a deixou partir. Era só um curso rápido, de um ano, ele pensou, querendo acreditar no amor que sentia. No entanto, o tempo é uma ferramenta perigosa.

Eles não namoraram virtualmente, pois não queriam se prender e muito menos prender um ao outro, passaram um ano apenas trocando leves mensagens que já não continham mais as antigas juras de amor. Ao retornar, a garota não demorou para notar que as pequenas manias de limpeza do seu namorado haviam se tornado obsessões. Lavar as mãos era uma questão de vida ou morte e já era incapaz de ficar sem um par de luvas. O pai não mais o batia, todavia não era necessário, o menino se punia sozinho. Havia virado refém de sua própria imaginação.

Em um belo dia, ela fora o visitar em sua casa, então, tudo acabou. A futura estilista deixou um dos vasos do modelo cair no chão e acabou cortando o pé, o rapaz gritou. Não pelo sangue que escorria do machucado da namorada, mas pela mancha vermelha que no tapete se formava. Odiava sangue, odiava sujeira, odiava tudo aquilo e não sabia como explicar o que sentia. Sua mente doía, sua cabeça latejava, tudo rodava. Sem saber o que falar, acabou mandando-a embora de sua vida, sem se preocupar com o machucado que ela ostentava em seu pé esquerdo.

O olhou com reprovação, angústia e medo. Todos aqueles sentimentos o mataram, sabia que era o fim — mas não queria acreditar. Foi revê-la apenas três anos depois, quando ambos já eram adultos e ele já tinha sido encaminhado à terapia. Marina virou seu motivo para continuar nas consultas com a psicóloga, querendo sempre melhorar e ser a pessoa que ela merecia. Na época, a estilista cursava o último ano de sua faculdade de moda e estagiava em uma das áreas da empresa de seu pai, a reencontrou por acaso, em um de seus ensaios fotográficos.
Quando seus olhos se encontraram, sabia que tudo que sentia ainda estava lá, guardado, amontoado em meio a sentimentos torpes. Agradeceu a Deus por tê-la colocado de novo em seu caminho, mas, infelizmente, agradeceu cedo demais.

A pediu de volta, enviou flores, implorou por migalhas de seu amor, mas era tarde. A menina estava namorando um dos funcionários da empresa, o fotógrafo Luan, o baque foi fatal para o modelo — havia sido trocado, substituído, primeiro por sua mãe e agora pela única garota que amou. Pensou em despedir o namorado da garota, em ferrar sua carreira, fazer de tudo para que ele nunca mais trabalhasse perto dela novamente, entretanto não teve coragem. A amava, muito. Queria que fosse feliz e, assim, mesmo sem querer, ajudou o rapaz a conseguir tudo que almejava. Tudo por Marina. Fingiram que os anos não havia passado, que nunca haviam se beijado na escada e aceitaram tudo que tinha acontecido com os dois. Adams abandonou a terapia, pela primeira — mas não a última — vez e ambos seguiram suas vidas, como amigos. O modelo ofereceu a ela o posto de estilista particular da marca, não por dó da garota, e sim para ficar perto dela por mais tempo. Não queria soltá-la.

Adams nunca esqueceu o primeiro beijo dos dois, apesar do tempo que se passou, por várias vezes se pegou pensando em como os lábios da garota possuía um gosto estranho de brilho labial sabor morango. Ela havia se esforçado para fazê-lo feliz e, mesmo quando a mania de limpeza dele se elevou, Marina continuou lá, dando o seu melhor para o relacionamento deles. Sempre o tocando com cuidado, passando álcool em gel nas suas mãos e retirando os sapatos para entrar na casa do namorado. Marina havia dado o seu máximo e não possuía ressentimentos. Hoje, era casada. Já havia passado mais de dois anos desde que se formou na faculdade de moda — e sua carreira só estava decolando, claro, afinal, era a protegida das indústrias Sales. Era a protegida de Adams, não deixaria que ninguém a magoasse — não como ele fez um dia.
Sabia, no fundo sabia, que tudo que fazia pela menina era na expectativa de tê-la de volta, mas, ao mesmo tempo, não tinha coragem para pedir que ela voltasse para aquele antigo — e tóxico — relacionamento. Havia se afundado na limpeza, ninguém mais poderia salvá-lo e não queria contaminar aquela que amava. Não queria fazer para ela o que seu pai fez para si. Além disso, sabia que ela nunca o perdoaria por ter ajudado em sua carreira, sempre tinha considerado ofensivo a ideia de ajudar ou tentar comprar uma pessoa — de privilegiar alguém — e, por isso, nunca havia se vendido. Não era uma interesseira. O modelo amaldiçoou o marido dela, Luan, queria ao menos que ele não a fizesse tão bem, que não fosse tão perfeito e bagunceiro como ela, queria ao menos que eles não se encaixassem tão perfeitamente. Um fotógrafo famoso, uma estilista famosa, aquela era a vida que ela havia pedido a Deus desde que nasceu. Adams não podia tê-la, mas podia fazê-la feliz ao menos

Perdido em seus devaneios, o moreno não notou quando adormeceu. Não conseguia mais diferenciar seus pensamentos de seus sonhos — pois sim, ele sonhava. Geralmente, com uma Marina que ainda o amava. Talvez ela até existisse, mas não era forte o suficiente para sobreviver às crises do casal. Não era forte o suficiente para amá-lo, e o pior é que não podia culpá-la, pois não amava a si.

No fim, como sempre, seu sonho tomava forma de um pesadelo e o torturava psicologicamente. Memórias da última briga o enlouquecia, memórias dela renegando seu amor o adoecia, memórias de Marina o sufocava.
Não me toque, era o que realmente queria gritar no ateliê da moça, porém, agora que estava sozinho, desejava mais que nunca sentir as mãos e os lábios da amada. Era torpe, confuso e, acima de tudo, louco. Mas tudo estava bem, porque a adorava. E toda aquela adoração, pelo menos enquanto dormia, o fazia chorar.

Não me TOC [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora