O dia em que Júpiter abandonou Saturno

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Um já estava cansado de esperar, o outro admitiu que nunca iria chegar. Você tentou um dizia, não foi por falta de tentar. 

Mas a verdade é que não, o outro não havia tentado, nem mesmo um pouco. 

Júpiter e Saturno existiram, Azul e Amarelo existiram juntos, quando não mais juntos, não mais Azul, não mais Amarelo. Um cortado de anéis, o outro encharcado de estrelas. 

Vez em quando um vêm até a janela e acena, grita, arremessa ilusões, mas o outro não vê, não ouve, não sente. Ele deu-me as costas um dizia. Eu lhe dei as costas o outro já sabia. 

Quando Júpiter e Saturno se encontram as cores se reacendem, algumas pessoas comentam:
- Olha ele é Azul!
- Ele é Amarelo! 
Algumas pessoas disfarçam, algumas pessoas se irritam. 

-Oi.
- Oi, tudo bem? 
-Tudo bem e contigo? 
-Bem também.

Risos desconfortáveis, sorrisos comprometedores. Um abraço longo demais pra ser só isso, curto demais pra ser outra coisa. 

-Até mais.
-Até mais...

Um ultimo olhar mas esse mais para dentro, buscando o Azul, buscando o Amarelo. 

Será que ele quer voltar? Será que eu quero voltar? 

Eu sinto falta, ele também deve sentir. Eu deveria ter feito tudo diferente, o pior é a culpa ser minha, ele me deixou e a culpa é minha. 

Um escreveu um livro sobre o outro, o outro disse que leria, mentiu, ele nunca leria, as palavras no livro seriam marcadas a ferro. Ele ainda não esqueceu as palavras faladas, não tinha como encarar as escritas. 

Um decidiu se isolar, o outro decidiu não mais buscar. Ele me abandonou um já sabia, eu o abandonei o outro dizia. 

"- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia todo na cama pensando em dormir com você. 
- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você. 
- Vou te escrever carta e não mandar.
- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
- Vou ver Saturno e me lembrar de você. 
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar. 
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora. 
- Vou procurar o teu cheiro no corpo de outro homem. Sem encontrar, porque terei esquecido, Alfazema? 
- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida. 
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros."

(silêncio)

Um passou pelo outro apressado, o outro o agarrou pelo braço antes que pudesse escapar. 

- Qual o seu nome? O seu texto foi incrível! 
- Obrigado. 
- Como é mesmo o nome? Do texto? 
- Ana
- É magnífico, parabéns! 
- Obrigado. 

(silêncio)

Perceberam que ainda estavam se tocando. 




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