Rita Malagueta

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- Então é você a detetive que eu contratei... - Rita me olhou de cima abaixo com desdém, como quem vê algo muito inferior a sí

- Sim, senhora. Sou Ana Machado. - falei com certa insegurança.

- E quem seria esse pitelzinho? - a mulher disse se referindo à Thomas, meu ajudante.

- P-prazer, sou Thomas, ajudante de Ana. - disse-lhe o garoto com as bochechas rubras, estendendo uma mão para a mulher a sua frente.

- Prazer só na cama, fofo. - Rita lhe deu um beijo no pescoço, deixando o pobre diabo mais vermelho que a bandeira da URSS.

- THOMAS?? THOMAS??? - ouviu-se dois gritos vindos da escadaria de madeira, que lembrava as dos hotéis mal-assombrados de filmes de terror.

- Oi? - Thomas pulou espantado ao ouvir seu nome sendo gritado com tanta euforia.

- THOMAS... TURBANDO! - um homem com maquiagem de mímico, peruca vermelha e roupas coloridas falou enquanto se matava de tanto rir.

  "Pensão de artistas falidos". O nome daquele lugar nunca fez tanto sentido pra mim quanto naquele momento...
      
- Pois bem, quando começamos a investigação? - Rita olhou para mim, sem dar muita bola ao inquilino "comediante".

- Quando quiser, senhora.

- Não me chame de "senhora", me faz parecer velha. ("Talvez porquê você seja velha" pensei comigo mesma). Me chame de "você".

- Tudo bem, VOCÊ pode começar me contando a história da buzina. De onde veio até o dia do roubo.

Rita Malagueta POV's

     Me lembro muito bem, era abril de 1994. Chacrinha estava muito doente fazia algum tempo, mas começou a piorar muito rápido, então todos nós meio que sabíamos que era o fim. No seu leito de morte, ele reuniu todas as chacretes em volta da cama e deu a cada uma um presente; para mim ele deu a famosa buzina que usou em quase todos os programas. Você tem ideia disso? A buzina do Chacrinha! Pra maioria das pessoas pode ser só uma coisa velha que faz barulho, mas para quem entende de história e arte, é uma relíquia!
      Pois bem, guardei-a com todo carinho e cuidado durante todo esse tempo. Me mudei várias vezes, tanto de cidade, quanto de estado e até país, e ela esteve comigo por todos esses lugares, mandei até fazer uma caixinha de madeira vernizada com fundo de veludo para guardá-la.

- Posso ver? - Ana disse sem me olhar, escrevendo no seu caderno

- Claro, claro. - Entreguei a caixinha pra ela e continuei a contar a história.

     Onde parei? Ah, tá, a caixinha. Pois bem, Fifi nunca sumiu em nenhuma dessas mudanças, logo, suspeito que tenha sido roubada.

- Desculpa, quem é Fifi?

- Fifi é o nome da buzina. Ela era da família. Fifi malagueta... - comecei a debulhar-me em lágrimas naquele momento.

Rita Malagueta POV's off

   Cara, que doideira. Primeiro um cara chega fazendo aquela piada HORRÍVEL com o nome do Thomas e agora a Rita está aqui, desabando em água ao falar de Fifi. Sim, a buzina se chama Fifi, tem até sobrenome. Não sei onde fui me meter, quero receber dobrado por isso!

- Mas então, Rita, quem você acha que roubou?

- Olha, querida. Desde que fui demitida da Globo por estar velha demais, eu parei de confiar nas pessoas. Então eu desconfio de tudo e todos que moram aqui, menos, claro, de Fafá.

- Fafá?

- Minha gatinha.

- Meu Deus... Enfim, agora quero me conte como você chegou até aqui. Digo, quando você abriu essa pensão? E porquê?

- Ah, querida, longa história. Bom, eu tinha sido demitida da Globo, meu patrão tinha morrido, terminei um relacionamento... enfim, estava destruída. Acontece que eu ainda estava no meu auge, então casei-me com um alemão rico e fui morar com ele na Alemanha. Chegando lá, o velho morreu e eu não fiquei com nada dele, os filhos não deixaram, bando de filhos da puta. Então, voltei para o Brasil, com uma mão na frente e a outra atrás. Tentei a fama denovo, mas a mídia não é lá muito gentil com ex-chacretes, portanto, não tive outra escolha além de tentar a vida em uma coisa muito difícil, dura, deprimente...

- Prostituição?

- Claro que não! Bem pior que isso! Fui trabalhar de verdade. Um horror! Virei atendente dessa pensão aqui... Olha, minha filha, se tem duas coisas que não desejo nem pro meu pior inimigo é: maquiagem mal-feita e trabalho. Nenhum ser humano deveria ser exposto a este tipo de tortura. Lástima! Lástima! - Rita falou com uma dose de drama que eu não conseguia decifrar se era forçado ou se era natural.

- É...continue, por favor.

- A dona dessa pensão era uma velha rabugenta de 104 anos que foi amiga de Carmen Miranda e vizinha de Niemeyer. Só que diferente deles, não teve um futuro brilhante e acabou com essa velharia aqui, herança de seus avós, escravocratas portugueses. - interrompeu a fala para acender um cigarro e servir-se com um copo de whisky. - quer um gole?

- Não, obrigada, não bebo em serviço.

- Tá certa. Voltando a história, acontece que eu me enjoei da cara daquela velha chata e fugi no meio da noite com uma trupe de artistas independentes. Viajamos o Brasil fazendo de tudo um pouco: peças de teatro, circo, ballet, tudo que se possa imaginar. Acabamos no meio da estrada, sem dinheiro e com uma Kombi enguiçada. Um dia, ao passar pela cidade, fiquei sabendo que a velha tinha morrido e deixado para mim toda sua fortuna, que nem era grande coisa: essa gata que eu nem sei quantos anos tem, mas dizem estar na família há 3 gerações e essa pensão. Minha única alternativa foi voltar para cá com meus amigos, que são os que estão aí até hoje.

- Uau, que história, que história!

  Eu ouvi tudo aquilo e fiquei maravilhada. Talvez, talvez, só talvez mesmo, não será tão ruim trabalhar aqui. SÓ TALVEZ!

Rita MalaguetaOnde histórias criam vida. Descubra agora