Capítulo 23

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America

Todos já estavam dormindo, com a exceção de mim. Eu simplesmente não conseguia cair no sono.
Eu não sei o que havia acontecido comigo. Estar ali de novo, em Illéa, diante de tudo aquilo, me trouxe à tona memórias e sensações que estavam enterradas há algum tempo. Ver Aspen novamente... Foi como o vi pela primeira vez no palácio durante um encontro com Maxon. O passado se encontrava com o presente e o futuro se transformava em abstrato.
Não podia fazer barulho. Ainda bem que ninguém consegue ouvir dentro da minha cabeça, pois ela estava uma agitação só.
Meu corpo enrijeceu quando percebi um movimento na cama ao lado. Será que meus pensamentos estavam altos demais?
Aspen estava apenas mudando de posição enquanto dormia. Nada de mais.
- Você é tão rápida - disse ele, de olhos fechados. Não, ele não estava dormindo.
- Como assim? - respondi.
- O príncipe eu até entendia, você não tinha escolha. Mas ele?
- Do que você está falando, Aspen?
- Eu vi você e o garotinho aí de mãos dadas. Um ano, America. Um ano. Eu. Maxon. O quatro olhos com a cicatriz. Não consegue se segurar, não é?
- Aspen, você está falando dormindo?
- Não, America, eu estou bem acordado - ele abriu os olhos e os fixaram em mim. - Só fiquei impressionado com a velocidade que você supera a perda de um amor. Isso é, se alguma vez você amou de verdade.
- Como ousa dizer uma coisa dessas? Eu te amava, Aspen.
- Será mesmo, America? Amava mesmo? Da mesma forma que amou o príncipe? Da mesma forma que ama esse cara?
- Eu não amava o Maxon.
- Mas ama o garotinho aí.
- O nome dele é Harry.
- Você realmente ama ele?
- Aspen...
- Você não aguenta ficar sozinha, não é?
- Isso é mentira...
- Você precisa de alguém pra compensar aquilo que você não tem, não é? É por isso que você não para de fazer isso?
- Pare, Aspen...
- Pula de um para outro sem dar explicações. Você tem ideia do quanto isso pode machucar as pessoas? Elas não são peças do seu jogo!
- Pare com isso agora, Aspen...
- É por isso que chora quando não há ninguém por perto? Por que não aguenta ficar isolada?
- Pare de mentir!
Ele se calou e virou-se de costas para mim novamente.
- Então eu que sou o mentiroso aqui?
Uma dor enorme invadiu meu coração.
Acabei dormindo assim, destruída por dentro.

Harry

Acordei no meio da noite.
Todos ao meu redor estavam perdidos em seus sonhos, dormindo tranquilos. Sentei na cama, apoiando as costas na parede e olhei em volta. A luz era pouca,  mas conseguia ver e sabia que America estava na cama ao meu lado. Ela estava apagada, mas não parecia estar tendo um bom sono.
Ah, Ames. Por favor, não esqueça de mim.
Olhei para a aliança em meu dedo anelar da não direita. Aquele anel prateado significava tanto. Mesmo depois de tudo, ele ainda estava ali. E eu esperava que continuasse assim.
- Ela não está bem - ouvi a voz de Thomas dizer. Ele estava na cama em frente à minha e pude vê-lo levantar sua costas do colchão e se sentar assim como eu.
- E você acha que eu não percebi isso?
- É o lugar, Harry. Ela lembrou das coisas que passou aqui antes do nosso teste. Toda a pobreza e as dificuldades, mas também as coisas boas que ela viveu neste lugar. Não podemos lutar contra as memórias.
Assenti, sem olhar para ele.
- Não conseguiu dormir?
Ele balançou a cabeça em negativa.
- Nem eu. Sonhos ruins?
- Antes fosse - ele soltou uma pequena risada, meio debochada. - É preocupação mesmo. Preocupação, receio, incômodo. Se fosse só um pesadelo, seria perfeito. Pelo menos, quando eu acordasse, o pior já teria passado.
Thomas estava muito tenso, com os braços cruzados e olhando para todos os lados do lugar.
- Sinto muito.
- Pelo quê? Pela Tris? Por ela ter caído na conversa daquela trolha?
- Por não ter feito nada pra tentar mudar.
- E o que você faria? Sem contar ela, você era quem estava mais envolvido com a situação.
- Eu sei, mas eu acho que eu poderia ter feito algo a mais...
- Acho que todos nós já pensamos nisso. Mas agora já é tarde, não é? A gente só quer fazer as coisas depois que as consequências de não termos feito antes vêm.
Ficamos sem dizer uma palavra por um curto período, apenas perdidos em nossas próprias mentes conturbadas.
Thomas quebrou o silêncio:
- Eu só queria... voltar pra casa logo.
- Eu também. Não sei mais quanto tempo vou aguentar ficar aqui neste livro.
- O que foi, Harry? Por que essa revolta?
- É aquele guarda, Thomas. Ele me incomoda. O jeito dele, as risadinhas com a America...
- Eles são velhos amigos, Harry. Foi um reencontro, não adianta se sentir mal. É a mesma coisa de você encontrasse a Hermione de novo. Não iria querer matar a saudade?
- É claro que sim, mas imagine que fosse a Tris. E se fosse ao contrário? E se estivéssemos em Divergente e ela e o Quatro se reencontrassem e ficassem desse jeito? Brincando, ele tentando conquistá-la novamente? Como você se sentiria?
Thomas ficou quieto, refletindo (É concordando) com tudo o que havia dito.
- De qualquer forma, Harry, não é nada demais. Eles são só amigos, você é o noivo dela. Não precisa se preocupar.
- Eu não sei, Tom. Ele me incomoda.
- Já sei o que está acontecendo - disse Percy, se sentando na sua cama ao lado da de Thomas.
- Acordou, bebê? - brincou Thomas.
- Com vocês falando assim, não tem quem não acorde. Torçam para que os outros tenham sono pesado.
- Tudo bem, soninho leve, o que é que está acontecendo comigo? - perguntei.
- Você está com ciúmes.
- Eu não estou com ciúmes.
- Ela é sua garota e ele estava mexendo com ela. É óbvio que é ciúme.
- Não é ciúme.
- Eu concordo com Percy - disse Katniss, se levantando assim como nós na cama ao meu lado.
- Ótimo, se mais alguém acordar, já podemos fazer uma festa - disse Percy.
- Primeiro, para o seu governo, eu não consegui dormir - ela disse para o Percy e depois se virou para mim. - E, segundo, eles eram namorados, Harry. É normal se sentir assim.
- Eles eram... O quê?
- É sério que só eu sabia disso aqui? - Ninguém respondeu. - Nossa, eu não tenho muita experiência com relacionamentos, mas vocês não entendem mesmo nada sobre isso.
- Namorado ou não, você está com ciúmes, aceite - disse Percy.
- Que droga, isso só piora tudo! - exclamei.
- Ei, relaxe, Potter, nada vai acontecer - disse Thomas. - America te ama e não vai fazer isso.
- Você realmente tem certeza disso?
Thomas se calou. Um clima levemente pesado se instalou no ambiente. Só foi possível ouvir o ronco dos guardas.
Ainda bem que vocês não estão ouvindo nada disso.
- De qualquer forma - disse eu. -, ele não me parece confiável.
- Ninguém mais parece confiável - soltou Thomas. - Acene para todos, duvide de todos. A cada dia, vemos que não sabemos mais em quem confiar.
Ficamos mais um certo período quietos. Esses períodos estavam se fazendo bem presentes nessa noite.
De repente, Katniss o quebrou, parecendo pensativa e desconfiada:
- Será por isso que eles nos trouxeram aqui?
- Por isso o quê? - perguntei.
- Eles já deviam saber que America era sensível. Se nos trouxessem aqui primeiro, America muito provavelmente não iria querer continuar com a gente. Ela reencontraria seu passado e a segunda parte do plano maligno de Hazel se cumpriria facilmente. Talvez o portal possa nós levar direto para a Liga, talvez eles estejam nos fazendo de idiotas até agora.
- Isso... faz muito sentido - disse Thomas.
- Vocês são dramáticos - disse Percy. - Vocês conhecem a America. Ela nunca abandonaria a gente, principalmente depois de tudo. Ela não cederia sendo que o que aconteceu com a Tris.
- Mas e se a Tris estiver bem, Percy? - disse Katniss. Todos ficaram mudos no mesmo instante. - Pois é, essa é a coisa que nenhum de nós gostaria de admitir, mas e se for a verdade? E se ela voltou para Divergente, se sentiu da mesma forma que America e não quiser mais voltar?
- Não chore, Katniss, por favor.
- Não estou chorando, Jackson. E nem vou chorar. Só estou constatando fatos. Vocês podem tentar negar, mas sabem que pode ser verdade.
- Nós temos uma história juntos.
- E ela também tem uma história que aconteceu antes da nossa! Assim como America tem. E todos nós temos. E se acabarmos cedendo também? Será o fim da equipe?
- Se cedermos, John Green vai ter sua vitória - disse Thomas. - e isso, acima de tudo, é o que nós não podemos permitir.
- Não podemos deixar eles tomarem à frente dessa missão - disse Katniss. - Eles podem saber mexer no portal, mas nós tomaremos a frente das operações. Não vamos mais ser enganados.
- Vamos continuar seguindo o plano deles e viajar pelos livros, mas, a partir de amanhã de manhã, cada um guia a equipe pelo seu livro de origem. Vamos chegar e logo sair. Não podemos nos distrair com a paisagem - disse eu. - Temos que ser rápidos e, se tudo não passar de mais uma grande armação, como supomos, quando chegar a hora, já sabemos o que fazer.
- Atacamos - completou Percy e todos assentimos.
De certa forma, eu sabia que, se qualquer um de nós agora voltasse para o seu livro de origem iria ser difícil sair.  Eu entendia America, eu não gostaria de  sair de Hogwarts se voltasse para lá e ficasse por muito tempo. Mas nós tínhamos uma missão e um propósito e não podíamos perdê-lo.
- Amanhã de manhã, nosso maior foco é salvar a Tris e voltar para casa de uma vez. Sem olhar sem volta, sem olhar pra trás, sem perder o rumo - disse Thomas.
- Amanhã de manhã, faremos tudo isso, mas agora é melhor voltarmos a dormir antes que alguém nos ouça - disse Percy.
Concordamos e nos deitamos novamente.
Olhei para America assim que me virei.
Não sei se conseguiria dormir de novo, mas sabia que amanhã de manhã tudo vai ser diferente.
Amanhã de manhã.

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