Capítulo 28

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Quando o elevador finalmente parou de subir e suas portas se abriram, eu achei que estava entrando num campo de batalha entre Illea e Nova Ásia. A LDEAT não parecia mais a mesma. Toda a limpeza e organização que existia se fora, dando lugar a um caos absoluto. Mesas e aparelhos jogados no chão em todos os lados, sangue e muitas, muitas, muitas pessoas agitadas. E não digo agitadas no sentido de "pessoas cheias de tarefas para realizar correndo de um lado para o outro com papéis e outros equipamenos nas mãos", como da primeira vez que havia estado ali, mas digo agitadas no sentido de "pessoas enfurecidas e cheias de adrenalina atacando umas as outras com socos e armas piores em todas as direções que olhava".
Não demorou muito para que algumas pessoas de jaleco nos avistassem às portas do elevador. Rápidas como um jato, elas vieram em nossa direção. Sabiam quem nós éramos, isso era óbvio. As roupas de Susana mostravam claramente de que lado ela estava e eu, bem como os filhos de John e Margo, já devíamos estar classificados como procurados foragidos à essa altura. De qualquer forma, naquele instante, tínhamos que lutar.
Meu plano ali não era apenas lutar por gostar, mas eu queria ajudar nesta batalha contra John Green. Eu queria encontrá-lo e acabar com ele. Sim, eu queria matá-lo, mas não o faria, pois havia feito uma promessa a Quentin. Mesmo assim, eu queria, pelo menos, marcado de alguma forma, física ou psicologicamente. E, além de tudo isso, queria encontrar meus amigos. Salvá-los, se fosse necessário. Ainda que eles já realmente estivessem de volta aos seus livros e não quisessem voltar, eu apenas gostaria de ter essa certeza. Gostaria de vê-los pelo menos uma última vez. Gostaria de ter me despedido de uma forma melhor.
Logo, os escritores que haviam vindo contra nós já estavam no chão. Não estavam mortos, mas apagados, pelo menos. Mais eliminados, pensei. Quanto mais, mais rápido venceremos essa guerra. Em pouco tempo, havia me tornado uma pessoa meio sanguinária, diferente de como eu era. Eu me sentia mais valente e as condições em que estava inserida me tornaram assim. Imagino eu que, quando isso tudo acabar, vou voltar a ser a America mais tranquila que conheci, mas saberei que essa parte audaciosamente de mim existe de verdade, lá no fundo.
Observando o campo de batalha, podia notar vários núcleos de lutas. A maioria era composta por duplas e haviam pessoas de todos os jeitos ali: escritores do mal, usando jalecos, membros do Grupo de Proteção, usando o mesmo uniforme de Susana, e pessoas de roupas únicas, que não combinavam com ninguém. Levando em conta que os membros da LDEAT, mesmo o mais fora de si, não levariam essa confusão para fora das paredes deste prédio, então imaginei que os que estavam com roupas únicas fossem também personagens de livros cujos pais fossem apoiadores de John Green. Eles realmente estavam loucos. Achei que o que escritores mais queria era impedir que colapsos literários acontecessem, mas, do jeito que as coisas estavam, parecia que haviam esquecido completamente disso. Usavam os próprios filhos para satisfazer suas vontades. Eles nem sabem o que estão fazendo...
Seguindo Susana e com as armas em posição, fomos abrindo caminho por entre a multidão agressiva. Segundo ela, nossa parte do plano agora era seguir até o outro lado no edifício para alcançar as Salas dos Portais. Sua designação era salvar os reféns e era isso que iríamos fazer.
- Quanto mais cedo mandarmos os personagens embora, mais seguro será para todos. Se a luta ficar só entre nós e os escritores, os riscos serão menores.
- E quem pegará o John Green? - perguntei. - Há alguém designado para isso?
- Planejamos tudo, America. Há soldados para cada parte desta guerra, inclusive capturar o líder. A essa hora, imagino até que já o tenham pego.
Assenti e continuamos em frente. Entramos num corredor escondido, onde não havia ninguém além de nós e alguns corpos caídos no chão. Passávamos direto sem olhar diretamente para eles, com medo de acabar reconhecemos alguém. Continuamos seguindo em frente pelo longo corredor. E eu também teria continuado a seguir, não fosse algo que me fez parar subitamente:
- Socorro!
Essa voz. Eu conhecia essa voz!
- Esperem! - gritei para meus companheiros, o que os fez parar também. - Vocês ouviram isso?
- Não ouvi nada.
- Alguém gritou por socorro! E a voz que gritou é a voz do Harry! Eu conheço essa voz! Eles estão por aqui, em algum lugar, eu sinto isso. Precisamos salvá-los!
- Não podemos perder o foco principal, America. Eu preciso chegar ao outro lado e preciso da ajuda de vocês.
- Meus amigos também são personagens e estão em apuros. Precisamos ajudá-los!
- Não há tempo, America!
- Então vamos nos separar. Vocês seguem caminho até as Salas dos Portais e eu vou atrás deles.
- É muito perigoso ir sozinha. Tem certeza disso? Não prefere que alguém vá com você?
- Absoluta. Eles precisam de mim agora. Eu preciso fazer isso.
Susana assentiu e, logo em seguida, tirou de seu cinto um aparelho redondo preto com um círculo dourado em cima e me entregou.
- É um comunicador. Aperte o botão e fale através dele. Use se precisar de alguma coisa.
- Certo. Obrigada!
Dei meia volta e me pus a correr na direção da voz que ouvi. Antes que entrasse por uma porta que dava para uma escada, Susana gritou:
- America! - virei meus olhos na direção do grupo que deixava para trás. - Não morra.
Assenti e, por uma última vez antes de partir em direção ao desconhecido, encarei Margo, Miles e Quentin. Eles tinham verdadeiramente me ajudado até ali, mereciam um agradecimento sincero e uma despedida melhor. A falta de tempo e o perigo iminente nós provaram disso. Porém, pude dar uma última palavra a todos:
- Vocês também.
Margo e os meninos sorriram para mim. Miles piscou um dos olhos para mim e, com tudo isso, não consegui conter também um pequeno sorriso.
E então, comecei a descer as escadas.
Por estar localizada num corredor escondido, as escadas não eram tão estreitas, mas pareciam intermináveis. Agradeci pela existência das luzes de emergência. Não fosse por elas, estaria num enorme e infindável breu. Desci cada degrau com muito cuidado, sempre tendo a pistola em minhas mãos carregada e apontada para a frente. Se aparecesse algum vulto na minha frente de surpresa, é bem provável que ele não sobreviveria, mas tentava manter a calma. Manter a calma.
Manter a calma.
Manter a calma.
Manter. A. Calma.
- Socorro!
Sem essa de calma!
Ouvir o grito mais uma vez me fez acelerar o passo e seguir descendo as escadas.
Finalmente, eu chegara ao fim delas. Estranhamente, elas acabavam em uma porta vermelha, como uma saída de emergência. Olhando para cima, para o caminho por onde tinha vinda, não enxergava nada. Era como se eu estivesse no centro da terra, num lugar isolado de todo e qualquer contato humano. Voltei a fitar a porta e minha mão vacilou ao tocar na maçaneta. Estava com medo novamente. Medo de tudo que poderia acontecer. Medo do que poderia encontrar atrás daquela porta. Medo de não conseguir salvar meus amigos. Medo de não conseguir me salvar. De repente, uma mal pensamento me veio à cabeça: se nós tivéssemos voltado, nada disso estaria acontecendo. Se tivéssemos ouvido John Green...
Não! Pare já com isso!
O que fizemos foi por um bom motivo! Não caia nessa armadilha mental!
- Socorro!
A voz de Harry penetrando por meus ouvidos mais forte que antes fez meu coração disparar e a adrenalina voltar a se espalhar pelo meu corpo. Sem mais delongas, apertei a maçaneta da porta com a minha mão e, com um movimento firme, abri a porta de uma vez.
De todas as coisas que imaginava encontrar ali dentro, o que realmente encontrei era a que eu menos esperava. De certa forma, se não estivéssemos na situação em que estamos, eu teria ficado muito decepcionada por ter aberto a porta com tanta cerimônia para encontrar uma sala branca muito semelhante a todas as outras salas dos andares principais da LDEAT. Havia um tubo de vidro que ia do teto ao chão num dos cantos da pequena sala, ladrilhos no chão e uma parede de vidro, mas da qual apenas se conseguia enxergar terra através. Em frente à parede de vidro, haviam seis monitores de computador e, sob eles, uma mesa comprida e cheia de botões. Nenhum sinal de Harry nem outros. Nem de ninguém, aliás. A sala estava estranhamente vazia.
Mas eu ouvi o grito, o pedido de socorro, a voz dele... Eu tenho certeza!
Não fazia sentido.
Nada mais fazia sentido, na verdade. Deixaram de fazer sentido há muito tempo.
Não era possível que eu houvesse ouvido tão claramente sua voz e aqui, de onde veio o som, não tenha absolutamente nada! Algo estranho está acontecendo aqui. Algo muito estranho está acontecendo aqui.
Alguém mais sensato que eu provavelmente viraria as costas e simplesmente voltaria pelo caminho que veio, tentaria reencontrar o antigo pessoal e deixaria para lá tudo isso, mas, nesse momento, eu não queria ser nem um pouco sensata. Devia ter alguma coisa aqui. Com certeza, tinha alguma coisa aqui! Eu me recusava a acreditar que eu tinha ouvido vozes.
Resolvi procurar por respostas. Me aproximei do mesa e dos monitores, que estavam desligados.
Não era uma especialista em computadores, mas talvez, se conseguisse pelo menos ligar uma das telas, conseguisse encontrar alguma coisa. Uma luzinha verde brilhava na parte preta que encolvia a tela de todos os monitores, o que indicava que eles estavam ligados. Agora me restava tentar descobrir por que e como fazer as telas deixaram de ser pretas.
Comecei apertando alguns botões e teclas do teclado principal, mas nada aconteceu. Ao lado do teclado, havia um botão esférico, que parecia mais uma bolinha que haviam enfiado ali. Quando fui apertá-lo, descobri que, na verdade, não era um botão, pois a bolinha rolava sem sair do lugar. Com esse giro, a tela de um dos monitores se acendeu. Sem querer, consegui fazer o negócio funcionar.
A tela estava com um fundo azul escuro com uma onda branca desenhada no meio. Embaixo da onda, havia uma linha reta de um azul mais claro e um desenho de um círculo branco com um triângulo preto dentro. Com meu dedo, toquei-o uma vez, o que já foi o suficiente para fazer a onda de mexer e um som sair do aparelho:
- Socorro!
A onde e o som pararam e eu entendi tudo.
Cliquei mais uma vez no ícone da tela.
- Socorro!
E mais uma vez a voz de Harry saiu.
- Socorro!
Era uma gravação! Aquilo era uma armadilha!
- Ah, filho da...!
Não consegui terminar a frase, pois um pano branco surgiu cobrindo meu nariz e minha boca, me impedindo de respirar, o que, em pouquíssimo tempo, me fez apagar mais uma vez.

Sem Roteiro Nessa VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora