Ascensão

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2 de Agosto de 1600

O fogo da lareira crepitava enquanto o Sr. Lee Wan estava fazendo o garotinho de 11 anos memorizar um poema, o poema que ele escolhesse.

– Você vai se esquecer de tudo o que lhe ensinei. - disse o Sr. Lee Wan, afagando o bigode. – Tudo. Na literatura, talvez você se lembre que Romeu e Julieta morrem no final. Na poesia, talvez se lembre que "A Terra Amarela” é de Kim Chi-ha*, não Kim Chi-won*... Mas, e o restante? Se não for da sua escolha e se não exercitá-lo, você esquecerá.

Lee caminhava lentamente entre os móveis, como se estivesse em uma peça teatral. Ele adorava esse tipo de coisa: encenação.

O menor não prestava atenção nisso. Estava ocupado demais rabiscando algo em seu caderno. Então, o Sr. Lee parou ao lado da carteira e inclinou-se casualmente, com a mão pousada na cadeira do garoto.

– O cérebro ama mistérios da mesma forma que ama poesias. Ambas são coisinhas grudentas. Elas prendem você em um mundo alucinógeno, no qual você não quer sair. Você entende o que quero dizer, Jeongguk?

Jeongguk interrompeu o desenho e se ajeitou no assento. Ele nem sabia desenhar, na verdade. O Sr. Lee continuou caminhando, quando a porta escancarou-se e um vulto pequenino e redondo passou cortando o ambiente. Park Jimin, adentrou a sala correndo enquanto gritava para libertarem o senhor Galático da prisão lunar. Rindo, Jeongguk, jogou os materiais de estudo ao ar, e entrou na brincadeira junto com seu melhor amigo. Gritos ecoaram entre as paredes do castelo, mas aproveitando o momento e ignorando completamente as advertências do Sr. Lee, os dois amigos dispararam rumo aos corredores do grande castelo da família Jeon.

– Parece que desta vez funcionou, Jimin. - disse Jeongguk finalmente parando de rir e se apoiando sobre a aresta da parede.

– É. - concordou o outro garoto. – Só espero não ficar de castigo como da última vez que tentei te tirar da aula chata de anatomia. - Jimin riu da lembrança. – Nunca vou me conformar com o fato de você ter aulas domiciliar na única hora que posso vir aqui... Mas, vamos encontrar seu primo, Taehyung, no porão. Tenho certeza que ninguém nunca nos achará lá.

Jeongguk concordou, e com muito cuidado, os dois saíram, sorrateiramente, rumo ao porão muito apreensivos. Cogitavam que podiam serem pegos, por isso se mantiam atentos à qualquer coisa que era necessário observar, caso fosse preciso avisar a tempo um ao outro.

O porão ficava depois do hangar. O hangar se mantém antes da sala de estar. E, foi exatamente nessa sala, que algo os puxou abruptamente para de trás de uma poltrona, a tempo de esconder-se do Príncipe Jungsan, que adrentara a sala segurando algo em suas mãos, ao lado da esposa, Hyoyeon.

– Taehyung! - Jeongguk ouviu Jimin balbuciar baixinho.

– Shh... Silêncio! - dessa vez, o garoto de franjinha advertiu, soltando os braços de Jeongguk e Jimin.

– Por que pede silêncio, Taehyung? O que está acontecendo? Está com medo dos meus pais? - perguntou Jeongguk.

– O rato! O rato! Cale a boca! - exclamou o garoto sufocado e afastando-se. Jeongguk e Jimin se entre olharam sem entender.

Na mão direita tinha uma tesoura e entre o polegar e o índice da mão esquerda, Jungsan, segurava um barbante, cuja a outra ponta pendia um rato atado pela cauda. No momento que Jeongguk colocou seus olhos sobre a poltrona para observar o outro lado da sala, seu pai, cortava ao rato uma das pernas; em seguida desceu o infeliz às chamas da lareira, rápido para não mata-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo na terceira pata, pois já havia cortado a primeira. Jeongguk estremeceu com a visão.

– Mate-o logo. - Jeongguk ouviu Jimin murmurar, e só então percebeu que o amigo também observava o acontecido.

E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, Jungsan cortou a terceira pata. O miserável do rato estorcia-se, guinchando ensanguentado, chamuscado e não acabava de morrer.

– Por que faz isso Jungsan? - perguntou Hyoyeon, que estava de pé observando a cena, enquanto tomava uma taça de vinho. Jeongguk poderia jurar que o líquido flamejava através do cristal da taça.

– Só estou relaxando meu desejo de fazer isso com aqueles malditos pobretões da Zona Oeste, Hyoyeon. - respondeu Jungsan – Sabe como é?! Nunca pagam ao Rei. Como querem viver e gozar do direito de ser cidadãos dignos se, nem ao menos, pagam os devidos impostos à coroa? Deveriam todos morrer como esse maldito rato.

Faltava cortar a última pata; Jungsan cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos e com toda aquela serenidade radiosa. A pata caiu e o príncipe ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descer o rato mais uma vez às chamas, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida. Jeongguk desviou o olhar dos pais. Conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar o olhar para um ponto qualquer. Não sentia nada, nem raiva, nem ódio; tão somente um vasto prazer, quieto e profundo. Do outro lado da sala, Jungsan ainda cortou o focinho do pobre rato, antes de jogar o cadáver inteiramente ao fogo e ir a seu gabinete, acompanhado pela mulher.

Os três amigos permaneceram alí, perplexos sem dizer uma só palavra, até o Sr. Lee Wan encontra-los atrás da poltrona e puxar Jeongguk, pelas orelhas, de volta à aula.

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18 de Julho de 1606


"O mistério dos palhaços está mobilizando policiais da província Gyeonggi, Coréia do Sul. Oficiais têm patrulhado a região onde houveram homicídios nos dias 10 e 12 de julho em busca de pessoas vestidas de palhaço que, supostamente teria cometido os crimes. A delegacia de Gyeonggi passou a receber chamados desde o início do mês até esses últimos dias de moradores que relatam ter visto palhaços em diferentes locais da cidade. Apesar das buscas, os policiais não encontraram nenhum suspeit..."

Jimin desligou o rádio e sentou na cama, enquanto Jeongguk escrevia algo sobre a mesa de cabeceira.

– Será que as estações de rádio sul-coreana não têm nada melhor para anunciar do que palhaços em florestas?

–Está com medo, Jimin? - debochou Jeongguk.

–Claro que não. É óbvio que isso é alguma brincadeira adolescente de algum doente necessitado de atenção. - Jimin revirou os olhos e Jeongguk riu.

– Lembra-se que o Taehyung precisou viajar com meu tio Príncipe Taeyang, ano passado? Não sei porque ele se foi tão rapidamente, mas acredito que seja coisa de pai e filho. - comentou Jeongguk tentando mudar de assunto, pois embora fosse engraçado, sabia que Jimin não estava confortável com aquilo; palhaços e florestas não eram uma boa combinação. Porém, como não obtivera resposta, continuou:

– Soube que ele chegaria de viagem no começo do mês. O tio Taeyang contou. Mas, não tenho nenhuma notícia dele desde então.

– Você é um péssimo primo, Jeongguk.

– Não ponha toda a culpa em mim. - reclamou Jeongguk, enquanto ligava o rádio novamente.

"...as autoridades não sabem dizer ao certo se as histórias são reais ou não, mas mas a políc..."

– Mude a estação, Jeongguk.

"...os moradores de Gyeonggi permanecem assustados com as aparições..."

–TROQUE A PORRA DA ESTAÇÃO, JEON JEONGGUK! - Jimin gritou. O outro riu, e continuava rindo, então uma mancha de tinta preta riscou o tapete quando o pote do tinteiro de caligrafia caiu e estraçalhou-se no chão, enquanto a voz no rádio detalhava:

"...os últimos relatos dizem que as figuras dos palhaços estão mais frequentes próximo à floresta na margem do castelo da família Real do Vice-Ministro e Príncipe Jungsan. As autoridades já estão investigando o local."

Duke Of Blood • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora