Interlúdio | Jaeyong

Análogo

Depois daquele encontro inesperado passamos à nos ver com mais frequência. Não sozinhos, claro, Yuta sempre estava comigo e Taeil sempre estava com Jaehyun.
Não era o tipo comum de "encontro de casais" até porque minha relação com o Yuta e a deles dois eram bem diferentes. Estavam sempre de mãos dadas, sorrindo um para o outro, sussurrando segredos ao pé d'ouvido, enquanto nós dois esquecíamos a existência um do outro quando não estávamos a sós - por motivos absolutamente contrários, mas -.

Eu ainda não entendia o porquê da minha ânsia em querer vê-lo cada vez mais, afinal nossas conversas eram absolutamente casuais e quase sempre eu ficava de coadjuvante no diálogo pois preferia ouví-lo contar sobre a sua vida cheia de aventuras e mistérios instigantes do que falar sobre a minha que se resumia naquele relacionamento ultrapassado entre mim e Yuta. Até ouvir ele declarar sobre Taeil era cativante.
Tudo nele era sedutor e interessante demais.
A forma serena como ele falava era tão tentadora quanto a hipnose que ele induzida em te olhar fixamente nos olhos o tempo todo. Era como se ele quisesse te desvendar enquanto tentava te atrair.

Era domingo de manhã quando eu recebi uma mensagem dele no meu celular.
Aquilo me causou um profundo e desconfortável estranhamento, mas deduzi que a intenção do seu contato fosse em planejar alguma surpresa para Yuta já que seu aniversário estava próximo e ele havia deixado bem claro que, por Jaehyun estar entre nós agora, ele gostaria de ter uma festa pra comemorar com os amigos.
O lugar marcado era em seu apartamento onde eu já estive, acompanhado, algumas vezes quando combinávamos um programa mais caseiro numa sexta ou sábado à noite.
Não era exatamente prazeroso ficar sozinho entre ele e Taeil enquanto demonstravam todo o amor que exageradamente tinham, mas Yuta merecia o meu esforço.

Ele atendeu a porta de um tom verde barroso com o número 1103 grifado logo acima do olho mágico, me convidando para entrar.

"— Oi, Jaehyun." - acenei brevemente dando um sorriso acanhado. "Vim assim que li sua mensagem." - dei dois passos adentrando a sala espaçosa do apartamento limitando a troca de olhares afim de não demonstrar o nervosismo que sentia por estar ali sozinho. "Taeil não está?" - indaguei passeando o cômodo com os olhos enquanto caminhava até o sofá de veludo escovado.
"— Não... Estamos só nós dois." - se aproximou de mim sem falar mais nada me deixando irrequieto.
Definitivamente aquele não era um comportamento normal.
"— É... bem... E sobre o que seria o assunto que me trouxe aqui?" - coçei a testa disfarçando o suor que rorejava dali dando meio passo para trás.
"— Você parece alguém bem certinho, Taeyong... Isso me soa um pouco falso, mas acredito que seu poder de convencimento é alto, afinal só sendo muito bom com as palavras pra manter seja lá o que você tenha com o Yuta." - jogou o corpo esguio sobre a poltrona de couro manchado descansando as mãos sobre as coxas fartas bem demarcadas no jeans azul claro. "Ou seria muito bom em outras coisas...?" - arrastou as palavras entre os dentes deixando a boca semiaberta ao me analisar por inteiro.
Seus dedos tateavam a própria perna subindo maliciosamente até próximo da virilha.
Era uma insinuação descarada de alguém que queria transar e eu reconhecia aquilo.
"— O-o quê?" - perguntei atordoado. "Do que está falando?" - a saliva descia rasgando minha garganta inflamada pelo acúmulo de palavras vazias e corruptas me fazendo afogar no oceano de erros à conta gotas.
"— Você está vendo mais alguém aqui além de mim?" - olhou ironicamente para os lados. "Não há mais ninguém, Taeyong, então me poupe do seu teatro. Eu já decorei cada fala desse drama." - levantou abruptamente andando em direção à cristaleira repleta de bebidas com rótulos estrangeiros ignorando meu semblante aterrorizado. "Desde a primeira vez que eu encarei esses olhos que agora me observam encher esses copos com whisky e gelo, eu sabia que havia muita sujeira e hipocrisia por trás da máscara que se sobrepõe nesse rostinho bonito." - sorriu como o demônio ao finalmente encurralar sua vítima. "Eu descobri seus segredos, garoto."

Eu não sentia nada além da sensação aterradora em ter sido despido das minhas fragilidades.
Aquela situação era irreal demais pra mim.
Quem era aquele, afinal? Aonde estava o Jaehyun amigável e gentil de sempre?
Desde quando ele também usava uma máscara?
Perceber que a realidade é tão relativa quanto a claridez artificial em encontrar a solução dos nossos problemas em uma dose de álcool ou no corte preciso de uma lâmina realmente pode ser impactante, mas o costume repetitivo leva ao hábito, que sempre culmina no vício.
Sentir sua própria ruína cair sobre seu corpo quase sem vida debaixo dos destroços que um dia foram você é picante como experimentar o pecado pela primeira vez.

"— Eu não faço ideia do que você está falando, Jaehyun... Abra a porta, por favor. Eu quero ir embora." - andei em passos largos até a porta girando a maçaneta descontroladamente. "Abra logo essa merda!" - a transpiração escorria pela minha pele apática umedecendo minhas roupas me causando ainda mais asco do que eu me tornara.
"A chave está aqui comigo..." - apertou o próprio pênis sob a calça com firmeza. "e ao menos que você seja tão atrevido quanto eu imagino para pegá-la, eu não vejo problema algum em essa ser a última vez que nos veremos." - um sorriso ardiloso dispostava dos seus lábios ao final de cada frase como se eu fosse uma espécie de presa fácil e ele fosse o exímio caçador.

E então eu finalmente entendi que é absolutamente inútil você lutar contra a sua sombra.
Ela sempre vai te acompanhar como um carrasco açoitando seus pensamentos te lembrando de cada erro torpe enquanto ri na sua cara sem qualquer escrúpulo.

Da mesma forma que existem dois lados de uma moeda, existem os lados que se opõe dentro de nós e a escolha em seguir o caminho que ambos indicam é totalmente nossa.
Sim ou não; bem ou mal; certo ou... Jaehyun.