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A princípio era tudo escuro. A ausência de consciência havia tornado o mundo em um breu sem fim. Me senti sendo puxada para algo, incapaz de lutar contra essa força, eu vi as bordas de minha visão se esmaecerem em cores até se tornar em uma imagem. A forma de minha casa se estendia a minha frente. Era de madrugada e a unica iluminação provinha da luz que atravessava as janelas acortinadas e sombreavam o jardim.

Uma movimentação por meio dos vidros me motivou a me aproximar da soleira. Descobri que a porta estava destrancada, a empurrei adentrando na casa. Encontrei um ambiente familiar, mas ainda assim mudado. As decorações eram poucas e metade delas estava empacotadas em caixas. No hall de entrada não havia casacos pendurados e nas janelas haviam trincos pesados demais para ser apenas uma prevenção contra roubos. Passos pesados e apressados desceram as escadas e chegaram a sua base antes que eu pudesse encontrar um lugar para me esconder.

Uma versão mais nova de minha mãe tinha os olhos embargados de preocupação e pavor. Seu rosto mudou em alguns anos, nos dias atuais as suas linhas de expressão pareciam mais judiadas e pela cara que Anne fazia agora eu entendia o por quê. Ela passou a minha frente como se eu nem estivesse ali. Sua expressão nem mudou ao ter ficado centímetros de distância de mim. Era como se ela não me visse, o que eu conclui ser verdade quando Elliot desceu as escadas e também não me percebeu.

Tirando proveito de minha invisibilidade, os segui até a cozinha, onde passaram a cochichar.

"Eu sabia que não devíamos ter voltado para Beacon Hills." Ralhou Anne.

"Não sabíamos que Damien e sua matilha iriam nos seguir até aqui. A última vez que ele encontrou nosso rastro foi em Louisiana." Elliot pôs as mãos nos ombros tensos de sua mulher.

"Eu soube que ele matou Reyna acidentalmente alguns dias depois que fugimos. Deve estar desesperado atrás de uma Mediadora." Um estrondo abafado na lateral da casa acabou com a conversa. Um uivo soou em seguida.

Os olhos verdes de minha mãe se arregalaram. Meu pai fez um sinal para que ela ficasse onde estava. Dando passos silenciosos ele foi até a janela mais próxima e afastou a cortina o bastante para espiar lá fora. Alguns minutos de um pesado silêncio se seguiram até o momento que Elliot fechou abruptamente a cortina e esqueceu totalmente a sua discrição. Eu fui pega de surpresa quando ele derrubou um faqueiro de cima da bancada e o jogou longe. Uma expressão de revolta estava estampada em seu rosto, algo que eu nunca lembrava de ter visto acontecer com meu pai. Mas parece que eu não sabia de muita coisa.

"Eles deveriam ter demorado no mínimo quatro dias para chegar aqui! Eu estou cansado disso, Anne." Esbravejou, com as mãos firmes sobre a mesa. Ela correu ao seu socorro, pondo um braço ao seu redor.

"Todos nós estamos cansados de fugir, mas é pelo bem dos nossos filhos." Ela depositou sua mão sobre a dele na mesa "Agora eu preciso que se controle. Eu sei que está na lua cheia, mas aquela barreira de acônito não vai segura-los por muito tempo."

Ele assentiu e quando levantou sua cabeça, ofeguei tapando a boca com a mão em um reflexo. Seus olhos eram agora dourados, e os traços de alguém ao qual eu reconhecia como pai haviam sumido. Suas garras haviam afundado na madeira e deixado sulcos, seus caninos eram proeminentes na boca e sua respiração estava claramente mais pesada. Um fino grito ecoou pela cozinha. Me questionei se havia sido eu antes de notar a presença de uma pequena garotinha apavorada olhando a cena.

Ela havia deixado um pequeno ursinho de pelúcia cair no chão aos seus pés, o rosto de pele clara pronto para chorar.

"Amy, o que está fazendo de pé a essa hora?" Anne correu e a pegou no colo. Ela a retirou da cozinha antes que pudesse ver mais alguma coisa. Amy. Os cabelos castanhos e olhos claros da garotinha faziam sentido. Aquela era eu quando criança.

Dark Blood ||TW||Onde histórias criam vida. Descubra agora