Capítulo 9

3 0 0
                                    

A noite estava fria, o vento uivava ao percorrer a floresta, Ariela tremia e batia os dentes, apesar de ter se encolhido e abraçado seu próprio corpo, o calor fugia dela. Suas mãos e pés sujos ardiam como fogo, estava exausta e não conseguia dormir, só implorava que amanhecesse logo e que aquele pesadelo tivesse um fim. Quantos perigos poderiam estar escondidos ao redor dela, a espreitando? Animais ferozes? Mais homens sanguinários? E a lembrança de Falcon esfaqueando aqueles homens, a sede de sangue em seus olhos, não saiam de sua mente. Ela estremeceu. Lembrou também de como esteve perto da morte, primeiro nos braços daquele homem grotesco e nojento, ainda podia sentir o fedor da mão dele cobrindo sua boca, a ameaçando sem dó ou piedade, pronto para cravar a espada em seu corpo. E depois com a lâmina da espada do próprio Falcon em seu pescoço...

Ideia idiota. E agora como estava? Perdida. No meio do nada, congelando. Pelo menos não estou morrendo por causa da minha doença, não era isso que você queria Ariela? Imbecil.

Ela fechou os olhos, por sorte ou azar o frio não a deixava pensar muito, o frio ou o cansaço, ela já não sabia.

Depois de algumas horas, nem o frio foi capaz de mantê-la acordada. Escorou em uma grande árvore e ali deitou. Foi entre um cochilo e outro que sentiu gotas grandes e frias acertarem seus braços, tão rápido quanto ameaçaram, logo se tornaram uma forte chuva. Ariela abriu os olhos desnorteada. Estava ficando enxarcada, mas por algum motivo seu corpo parecia pesar toneladas, não era só pela roupa molhada e já colada ao corpo, suas pernas não a obedeciam. Toda vez que tentava levantar seus músculos falavam, e junto ao esforço veio a já conhecida dor no peito, como uma faca entre os pulmões era difícil respirar. Ela tatiou desesperada em busca do lencinho com as ervas, mas não o achava. Estava escuro demais, tudo molhado demais, frio demais. As mãos tremiam.
Ao longe relâmpagos e trovões, clareavam de relance o pavor da floresta ao redor, ao mesmo tempo em que a assustava com o seu som estrondoso.

A visão de Ariela se tornava cada vez mais turva, ela sabia que se não achasse logo o lencinho ia perder a consciência, mas não conseguia encontrar, lágrimas se misturavam com a chuva em seu rosto.

Vou morrer aqui? Assim? Eu não estava agora a pouco feliz porque não ia morrer com falta de ar... Alguem... Por favor... Papai... Me ajude.

E ela caiu, ficou alguns segundos contemplando o negro céu e a chuva turvando mais ainda sua visão, antes de se perder no completo vazio de sua mente, quando por fim fechou os olhos. E a dor, o frio e o medo enfim sumiram.

---------------

Já se passava das três horas da madrugada, Falcon continuava procurando algum vestígio dos rastros de Arabella. A chuva caia forte em seus ombros e a capa que usava já não estava servindo de muito auxílio.
Tirou a dos ombros e a levou nos braços.

Onde você está menina?! Droga, eu deveria simplesmente deixar ela pra lá, que morra nessa chuva maldita. O que foi isso?

Ele jogou rapidamente a capa no chão, empunhou sua espada e se abaixou com os olhos atentos a direção de galhos se partindo em sua direção.

Cavalo?

Caramelo veio caminhando errante em sua direção

- Que sorte a minha.

Falcon guardou a espada e pegou as rédeas do cavalo, aparentemente ileso da luta anterior, apoiou seu manto enxarcado na cela e montou sem dificuldades.

- Vamos garoto, vamos ver se consegue me ajudar a achar aquela magrela.

A chuva continuava castigando ambos, porém já não tão forte. Seguia seu ritmo continua e sem descanso.
Ele já estava prestes a desistir de encontrá-la, quando avistou não muito longe dos dois um corpo estirado na lama.

- Está viva. - sussurrou, não sabendo se para convencer ele mesmo ou o cavalo.

Desceu num pulo, e se aproximou devagar puxando as rédeas do Caramelo junto à ele. Não tinha certeza se era mesmo ela. Mas se a terra não havia consumido o corpo é porque ainda estava viva.
Chegou perto suficiente para ver Ariela deitada, inconsciente, coberta de lama, galhos caídos e com a roupa ensopada. Foi rapidamente até ela, a erguendo devagar nos braços. Sentiu o rosto dela queimar no peito dele. Estava com febre. A respiração era curta e com esforço, dava pra ver o pulso forte e rápido em seu fino pescoço e a marca do corte que ele havia feito mais cedo, agora coberta de sujeira e sangue seco.
Falcon engoliu a seco.

A carregou até o Caramelo, firmando-a em um braço e montando com ela na cela. Galopou rápido em busca de abrigo. Precisava tirar ela da chuva. Ariela tremia em seus braços, balbuciava palavras sem sentido e continuava queimando em febre. Mas era sua respiração ora curta ora ausente e entrecortada que fazia com que procurasse com mais afinco.

Faltava pouco para o amanhecer, e ele por fim avistou duas grandes árvores tombadas, com um bom abrigo embaixo. Posicionou Caramelo contra a chuva e desmontou com Ariela nos braços. Precisou entrar debaixo do abrigo agachado, a puxando com cuidado até ele em seguida.

Seguros da chuva, Falcon a abraçou tentando passar o calor do seu corpo para o dela que ainda tremia sem cessar.
Ariela delirava, chamava pelo pai, pedia socorro. Chorramingava e apagava novamente nos braços dele.

- Papai me perdoa... So... Cor...ro... Me deixem... Por que eu? Sinto falta... Quero... Papai?

Seu corpo fragil e febril, finalmente parou de tremer quando os primeiros raios de sol do amanhecer tocaram seu rosto sujo. Falcon não havia dormindo um minuto, passou a noite em vigília torcendo que a chuva parasse e que de alguma forma ela acordasse de seus devaneios.

Ele sentiu quando o corpo dela parou de tremer contra o seu. Os delírios sumiram. Mas para seu temor, a respiração dela também parou. Estava ficando cianotica, com os lábios arroxeados.
Falcon colocou o ouvido sobre seu peito dela e não ouviu nada. Balançou Ariela bruscamente, mais segundos se passavam e nada.
Já tinha visto vários homens se afogando e voltando a vida com respiração boca a boca. Não eram todos que voltavam, mas pensou que valia a pena tentar.
Ele a tomou novamente nos braços, inspirou fundo, tapou o nariz de Ariela e assorpou. Nada havia mudado. Tentou mais uma vez, e mais uma, sentindo a terra se agitar ao redor dele. Ela estava morrendo. A terra sabia, ele sabia... Inspirou profundamente outra vez e assombrou o ar dentro dela a apertando contra o peito dele logo em seguida, sentindo... Culpa?
Ariela tossiu, a terra se acalmou, Falcon continuava a apertando contra ele, queria sentir os batimentos dela contra a pele dele. Estava viva.
Quanto tempo havia se passado sem que ele sentisse isso, contentamento? Alívio? Por alguém estar vivo? Por aquela garota irritantemente frágil estar viva?

O tremor retornou aos poucos ao corpo de Ariela. A febre por outro lado voltou forte

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 29, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Lírios de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora