5 A SUBJETIVIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES

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         Subjetividade é toda a estrutura que tem referência direta ao sujeito
particular. Ela é o que há de mais profundo e irrenunciável na criatura humana.
        É o estatuto mais íntimo, o lugar onde o eu sobrevive.
        A definição dos termos pode nos ajudar. Subjetividade é caráter ou
qualidade do subjetivo, e subjetivo é tudo aquilo que é pertencente ou relativo ao sujeito.
         De acordo com as regras gramaticais, o sujeito é o ser que realiza a ação do verbo. O sujeito é que dá movimento às frases. Interessante.
        Sempre que age, o sujeito age a partir de seu mundo, de sua história pessoal, de seus valores, limites, possibilidades. Sua ação é sempre carregada de história, motivos, razões.
         A subjetividade é o contexto que engloba todas estas particularidades imanentes à condição de ser sujeito, e é muito mais. Ser sujeito extrapola os limites da corporeidade, que age, movimenta e cria fatos. Um sujeito é
um mosaico de desejos, temores, paixões, sentimentos, angústias, sentidos, mistérios. Realidades que são universais, mas que acontecem de maneira muito particular em cada um de nós. Por isso a subjetividade possui um caráter sacral, pois confere ao sujeito a possibilidade de estar no mundo de maneira única e
irrenunciável.
           Um objeto, por exemplo, pode ser repetido, mas um sujeito nunca.
        Um objeto pode ser manuseado e ocasionalmente dispensado como peça que perdeu a utilidade, mas um sujeito não.
          A sua subjetividade o diferencia no mundo e o coloca como valor a ser respeitado.
         Veja bem, a vida é sempre plural e singular. Viver é experimentar
constantemente a dinâmica desses dois lugares. Quando somos plurais, só o podemos ser se estivermos na posse de nossa singularidade, caso contrário, a pluralidade nos esmaga.
Observe um mosaico. Nele há uma multiplicidade de peças, O mosaico é plural e só existe porque as peças saíram de suas singularidades.
Só assim ele pode ser formado. Mas, para dar forma ao mosaico, as peças não precisaram abrir mão do que elas eram. Não foram negadas, e sim passaram a compor um todo que jamais conseguiriam sozinhas.
          A subjetividade refere-se a esta capacidade que o ser humano tem
de ser singular. Antes de ser comunidade, o ser humano é pessoal, particular, reservado, privado, porque segue a mesma regra do mosaico. Se junta aos outros
para compor o todo, mas não deixa de ser o que é.
           É por isso que o contexto da subjetividade é bastante complexo.
            Ele é a casa de todas as riquezas humanas. Ele funciona como a escritura de um território, como ponto de partida, pois é nele que o ser se firma para ser o que é, e dele sai para ser com os outros.
         Instigante. Ser o que somos requer cuidados. Não é possível ser
somente na solidão. O singular é tocado o tempo todo por outro singular e assim nascem os encontros. Toda relação é um encontro de subjetividades. A vida é feita
desses encontros.
          Nem sempre as subjetividades são materializadas. Ler um livro, por
exemplo, é receber o autor e seu jeito particular de compreender o mundo a partir daquilo que ele escreveu. Uma subjetividade que chega, mesmo que o corpo não tenha vindo junto. O livro o representa.
O livro nos faz encontrar. Duas pessoas que casualmente se conhecem são duas subjetividades que se esbarram.
            Se crescerem no conhecimento, existe então a possibilidade de suas singularidades se pluralizarem, se misturarem e se influenciarem.
            É uma dinâmica maravilhosa. Nossos melhores amigos chegaram a
nossas vidas pela torça desses encontros casuais. Grandes amizades podem nascer de esbarrões inusitados.
         O contrário também é verdadeiro, os inimigos também
chegam pela força desses encontros.
        A grande questão que precisamos ter diante de nós é a seguinte: nos
encontros que realizamos, como é que fazemos para não perder de vista o que somos? Como viver a dinâmica de um mundo que é plural, sem que nossa subjetividade corra o risco de ser sufocada, seqüestrada?
O desafio é constante. O risco é iminente. É muito fácil perder a
liga existencial, o cordão que nos costura a nós mesmos. É muito fácil a gente se perder na pluralidade do mundo.
           É muito fácil entrar nos cativeiros dos que nos idealizam, dos que nos esmagam, dos que nos desconsideram, dos que pensam que
nos amam, dos que nos viciam, dos que pensam por nós.
          É muito fácil ser roubado, levado e aprisionado no pensamento que nos impede de crer no valor de nosso potencial.
          Os cativeiros são muitos, diversificados, mas a dor é semelhante.
           É a dor de quem está compondo o mosaico sem saber o que é. Entrou no todo, mas não tomou posse da parte. Misturou-se ao mar, mas não sabe o no que é.
         Subjetividade esmagada, desagregada, seqüestrada.

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