9 DOIS CASOS DE SEQÜESTRO

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O quarto era sombrio, imundo. A vida de quem o habitava


também. Não parecia um espaço humano. Não insinuava vida, estímulo para


felicidade. Recordava-me os lugares reservados para colocar esquecimentos, coisas


que não necessitam estar a vista, depósito de objetos sem utilidade.


Este é o quarto do meu filho! - revelou-me com voz embargada,


cheia de tristeza, aquela mulhernem jovem, nem velha. Na confissão quase


envergonhada de que aquele lugar estranho era o lugar da casa reservado ao seu


filho, a mulher parecia pedir socorro, como se estivesse contando ter


descoberto o lugar do cativeiro do filho sequestrado. Não, não era um lugar


distante dos seus olhos. Não era como nas histórias clássicas de sequestro, em


que os seqúestradores escolhem um lugar distante para manter a vítima em


estado de rendição. Era dentro da sua própria casa que os seqúestradores


mantinham o seu filho amado em condições inumanas.
Olhou-me com indignação, como se quisesse justificar-se de


permitir aquele absurdo. Meu filho dorme aqui! - repetia com tristeza. Parecia


querer acreditar em motivos desconhecidos, estranhos à razão humana, que


pudessem justificar a escolha tão errada de seu menino.


As drogas o sequestraram. Vítima da dependência química, aquele


menino dotado de inteligência rara entregou-se aos absurdos maus tratos que os


entorpecentes causam na vida humana. O vício chegou de mansinho, assim como


tudo na vida. Um cigarro hoje, uma cerveja amanhã. Drogas mais leves no início,


depois as mais pesadas e, aos poucos, bem aos poucos, os seqúestradores foram


assumindo o controle de sua vida. Violência, roubos; tudo o que antes era


inimaginável na vida do menino tornou-se real. A droga o fez assumir uma


personalidade estranha, alheia, porque provocou nele o esquecimento de quem


ele era. Seqúestradores costumam fazer isso com seus sequestrados. Quanto mais


esquecido ele estiver de sua natureza, maior será sua entrega aos poderes de quem


o seqüestrou, de quem o levou de si mesmo.


Seqüestros do corpo; seqüestros da subjetividade. Nem sempre é


preciso levar o corpo, acorrentá-lo de maneira concreta, real. Há um jeito sutil de


levar embora, de conduzir para fora, de fazer esquecer, de perder a identidade.


Viciados não se pertencem mais. Estão sujeitos a uma necessidade que se opõe à


liberdade. Perderam a condução da própria vida, porque foram levados por uma


necessidade estranha, alheia, mas determinante.


A família já havia tentado ajudar de todas as maneiras possíveis.


Internações, terapia, mas nada deu certo. O menino morria gradualmente aos


olhos de todos. Por muitas vezes a mãe vasculhava o seu esconderijo, seu

Quem Me Roubou de Mim Onde histórias criam vida. Descubra agora