Se me lembro bem foi numa noite antepassadaOnde as nurvens lagrimejavam suas gotas em mágoas
Mágoas que só elas conheciam
Os mortos que em suas lápides jaziam
Clamavam pela justiça da vida que só desconheciam
Eu via a beleza em sete tons de preto e cinza
Ouvia os gritos das almas em sua eterna tormenta
Elas cantavam, cantavam sua dor
Cantavam o hino do calvário, sobre seus sepulcros
E choravam pelas estrelas belas, que já não mais veriam
Eu sentia a paz que lhes roubava
E lá a minha lira lhes cantava
Minha voz velha e cansada
Era então poesia, em meio a monotonia
As mazelas da vida então evaporavam
E se misturam ao murmúrio daqueles que já não mais existiam
As flores ali brotavam, em cores que eu até então desconhecia
A vida então brotava da morte, em plena harmonia
E minha lira pelos planos da existência se emanava, buscavo por Eudora
Como a água fria que toca a pele ferida, ali sua tormenta se alentava
Toda alma que ali abitava, ouvia a doce lira que eu aos ventos cantava
Isso tínhamos em comum, ouvíamos a beleza cruel que a morte em suas faces mostrava
Postei-me frente ao túmulo de Eudora, tive um devaneio, e senti o seu perfume
Em minha breve falta de lucidez, ouvi o aveludado sua de voz me penetrar aos ouvidos
E percebi então, ela comigo cantava a lira da morte
Para ela, e só para ela, voltei os meus falhos sentidos
Ali deitei-me, sobre o túmulo negro de Eudora
Ouvindo a ópera fúnebre dos que cantam em sua dor
Lembrei-me então dos olhos vazios de Eudora, e a pele pálida sob a veste mortuária
Nesse breve instante fui mais feliz em minha curta estadia ali
Mas vislumbrei que em minha morte seria ainda mais que feliz
Sentiria de fato o calor de Eudora, que tão prematura deixou-me
Vi de relance os escuros cachos de Eudora, correndo esvoaçantes por entre as lápides de mármore
Segui seus rastros pela terra úmida e macia, ouvindo de sua voz imatura, a lira da morte
Segui encantado pela voz de sereia devassa, corri até o lago, e vi que lá no fundo estava Eudora
E percebi que ali faria morada, no lago, no coração de Eudora, ouvindo da morte a canção.
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Inefável
PoetryApenas um lugar para alojar os sentimentos que vivem a me transbordar.