Capítulo 4

1 0 0
                                    


"Existem arvores retorcidas no entorno da montanha, arvores retorcidas que não sabem como se expressar."

Naquele dia eu pensei que ia morrer e tinha certeza que nunca experimentaria dor igual a que senti. Às vezes eu fecho meus olhos e ainda vejo os dois sorrindo para mim. Minha filha Melina e meu marido Heitor. Estávamos indo buscar a minha mãe no aeroporto e a pequena Mel estava tão feliz. Então numa curva na estrada a vida mudou toda nossa história. Um caminhão avançou o sinal vermelho e bateu com força no lado direito do nosso carro. Ele rodopiou várias vezes no ar, não consegui contar. Depois o carro caiu de cabeça para baixo na pista. Eu me lembro de ter visto o corpo da minha filha jogado ao chão e sua mãozinha segurando o ursinho que eu tinha lhe dado em seu aniversario. Depois disso eu apaguei.

Quando acordei eles não estavam comigo e nunca mais estariam. Um pedaço de mim morreu naquele dia. Eu não queria mais viver. Lembro do primeiro dia em casa, minha mãe passou um período comigo e tentou de todas as formas me confortar, mas era em vão.  Eu tentei faze-la acreditar que estava tudo bem , que ela já podia me deixar sozinha. Então um mês depois ela foi embora e meu pesadelo começou.

Não me alimentava, não queria levantar da cama, e a todo momento eu chorava. Decidi tirar minha vida. Fui a farmacinha do banheiro e peguei todos os comprimidos que que encontrei e quando estava prestes a ingeri-los eu vi o retrato de Mel e Heitor colado no espelho. Joguei fora os remédios, tentei voltar a si. Ainda era a minha imagem refletida no espelho mas eu estava retorcida. Não conseguia avançar, ou escalar a montanha que se pôs em meu caminho e nem ver o sol por trás dela.

Depois daquele dia com as crianças na chuva eu comecei a sair mais de casa e todos os dias regava minha roseira. Ela tinha uma história linda pois foi presente de casamento do Heitor. Plantamos juntos e agora era uma das coisas que me faziam lembrar-se dele. Eu e Heitor éramos grandes amigos e nunca pensamos que um dia estaríamos casados e com uma filha. Ele era muito tímido para falar de sentimentos. Ai que saudade. Se eu disser que não sinto a ausência do meu amor estarei mentindo pois ele era muito especial e eu não tinha ideia de como viveria sem ele. E minha filha que só tinha cinco aninhos, tão pequenina e indefesa. Perdi meus maiores tesouros.

Mas eu acredito que tudo acontece por algum proposito. Eles se foram, mas eu fiquei e preciso continuar a viver. Eu continuo sendo uma arvore no entorno da montanha, mas já consigo expressar minha dor sem me retorcer.

AcordarWhere stories live. Discover now