Capítulo 1 - A Morte de Ana Nogueira.

44 5 0
                                    

      Guilherme mexia a frigideira para frente e para trás para virar as panquecas. O cheiro estava ótimo. Visto que aquela seria a última vez que cozinharia naquela casa, a casa de seus pais. A mãe do rapaz desceu as escadas e entrou na cozinha, com cara de quem acordou por causa do cheiro de panqueca.

      Ângela se sentou à mesa e esperou que o filho empilhasse a última panqueca e também que seu marido levantasse e se sentasse junto a eles. Pedro desceu as escadas alguns minutos depois com uma cara triste e séria ao mesmo tempo, pois sua mãe teria morrido no dia anterior por causa de um tiro misterioso na barriga.

      Todos tomaram o café e comeram as panquecas que estavam em cima da mesa; logo depois, Guilherme subiu para seu quarto para trocar o pijama por uma roupa mais formal, Ângela fez o mesmo, mas o Pedro se debruçou com a cabeça e os braços na mesa e pelas pulsadas que seus ombros faziam, estava chorando. Sua esposa voltou para a cozinha, já pronta, para consolar o marido e leva-lo para o quarto. Guilherme foi o que mais demorou a se arrumar e descer para a sala de estar, onde seus pais já esperavam havia um tempo.

      Um panfleto passou subitamente pela fresta debaixo da porta da frente, mas apenas Guilherme vira, então correu para pegá-lo e abrir a porta para os pais saírem. Somente no carro o rapaz leu o que estava escrito no papel, embaixo de uma ilustração de uma mulher com roupas de cigana:

      "Consultas para prever o futuro, exorcizarão e explicação sobre coisas sobrenaturais e demônios, conversar com Melissa. Atendimentos das nove da manhã às nove da noite. Rua da Espada, número 417."

      Rua da Espada era a rua da casa da falecida Ana, avó de Guilherme. O rapaz amassou o panfleto e enfiou dentro do bolso. A chuva açoitava as janelas fumês do carro, os buracos na rua sacudiam os bancos e os postes de luz estavam acesos mesmo que ainda fosse sete da manhã.

      Pessoas chorando, orações, roupas pretas e flores. Assim foi o funeral de Ana, na única igreja da cidadezinha. Flores brancas cobriam o corpo da velha até a barriga, para esconder o buraco. O caixão foi fechado e enterrado no cemitério local. Todas as pessoas acompanharam o caixão sendo levado, debaixo de seus guarda-chuvas negros.

      As nuvens pesadas rodopiavam no céu e a cada hora a força da tempestade aumentava. As pessoas que conheciam Ana Nogueira em vida cantavam em coro em volta de seu túmulo que estava sendo lacrado com cimento. Mais flores. Mais pessoas chorando. Mais orações.

      O dia cinzento continuou do mesmo jeito até o meio dia, quando todos voltaram para suas respectivas casas. Pedro estacionou seu carro ao lado do carro de Guilherme, na garagem. Ângela preparou o almoço e depois de alguns minutos, o rapaz se despediu deles, pegou suas malas e ajeitou-as no porta-malas e no banco traseiro do próprio carro. Embarcou e saiu. Pedro e Ângela acenavam para ele, e desapareceram por causa da névoa.

      Guilherme ajeitava seus cabelos cor de fogo constantemente olhando para o retrovisor. Sempre fora um rapaz vaidoso e cuidadoso, e tudo isso contribuiu para que zombassem dele na infância. "Nada que um soco na cara não resolva", lembrou-se de sua avó dizendo essas mesmas palavras. Sua imagem sempre sorridente e vivíssima.

      Seguiu pela Rua da Espada por alguns quilômetros até chegar ao casarão. Era alto, antigo e bonito. Ao lado da casa, quase grudado, se erguia um puxadinho sem paredes, só com teto e cerca, onde um cavalo marrom comia seu feno.

      Guilherme estacionou seu carro na garagem da casa que já aguardava aberta, com outro carro estacionado. Uma porta da garagem dava para a sala de estar, que também tinha outra porta, que seria a da entrada. O rapaz pegou sua bagagem e colocou na frente da porta. A empregada desceu as escadas e cumprimentou o rapaz, lhe deu uma carta e saiu pela porta da garagem, entrou no seu carro e desapareceu de vista.

Os Guardiões de Ana Nogueira ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora