Capítulo 2 - O Porão.

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Guilherme e Rafaela podiam ouvir as batidas estrondosas ecoando no corredor e as janelas e o chão tremiam com a força dos impactos repetitivos. O rapaz se empalideceu e a moça se adiantou a abrir a porta de uma vez. No mesmo momento as batidas pararam e não havia ninguém do outro lado. O que podia ser um ladrão que invadia a casa ou uma pessoa que implorava por ajuda era apenas nada. Um arrepio atravessou o corpo dos dois ao mesmo tempo.

Patas pesadas subiam a escada muito rápido seguidas por uma segunda leve e calma. Tigresa e Napoleão entraram no quarto. O cão farejou todos os cantos, como se fosse um policial, e a gata apenas olhou ao redor e deitou em cima de uma almofada no chão. A presença dos dois acalmou Guilherme e Rafaela, que agora perderam todo o clima de antes.

Ouviram-se gargalhadas esganiçadas de Luna, no andar térreo, patadas de Furacão na terra amassada e depois tudo se acalmou. Tigresa permaneceu na almofada a noite inteira e Napoleão dormiu no tapete, ao lado dela. Ao amanhecer, Rafaela se despediu de Guilherme e saiu com seu carro derrapando na terra molhada por causa da chuva do dia anterior.

O ruivo foi até a cozinha para pegar ração para dar aos animais e depois fez um café. A televisão era aberta e pegava muitos canais, sem falar do seu tamanho, quase uma tela de cinema. Em cima da estante da televisão, a carta dobrada ainda repousava. Gui leu-a de novo e parou na parte em que dizia:

"Receio que quando ler esta carta já esteja enterrada e tudo o mais, então se divirta o quanto puder, faça tudo o que quiser dentro desta casa, mas pelo amor de Deus, não entre no porão".

O que poderia haver lá embaixo de tão perigoso? Talvez veneno, ou ácido, ou uma bomba? Era um mistério. O rapaz se aguentou de um acesso de curiosidade e ficou assistindo filmes até o almoço, quando palmas foram ouvidas do lado de fora da casa.

Quando abriu a porta, eram seus pais, Ângela e Pedro. Os dois cumprimentaram o filho e entraram no casarão. Pedro acariciou a cabeça do papagaio, que estalou o bico e começou a comer a ração.

Tigresa ainda dormia no quarto e Napoleão balançava o rabo olhando para o fogão, que cozinhava salsichas. Furacão observava a cena pela janela. Os pais de Guilherme sentaram-se à mesa redonda e observaram ele mexendo o conteúdo da panela com uma colher de pau.

- Está tudo bem, querido? Quer que eu lave suas roupas ou limpe a casa...? - começou Ângela.

- Estou ótimo, tudo bem. Uma hora vou ter que aprender a ligar a máquina sozinho. - respondeu Gui, fazendo os pais rirem. - Vocês vão querer cachorro-quente também?

Os dois negaram, sorrindo. Guilherme pôs algumas salsichas dentro de um pão, se sentou à mesa e começou a comer.

- Bem, nós só viemos fazer uma visita... - disse Pedro - Aliás, onde está a gata?

- Está dormindo no meu quarto, ainda.

- Você está dando ração para eles? - continuou o pai.

- Claro, acabei de pôr. - respondeu Gui, Luna repetiu o que ele disse, com sua habitual voz esganiçada.

O rapaz pensou em contar para eles sobre o acontecimento da noite anterior, mas deixou para lá. Eles não precisavam saber daquilo.

- A Rafaela esteve aqui ontem? - começou a mãe.

- Como você sabe?

- Tem dois pratos sujos na pia. - disse, se adiantando a lavar a louça.

- Não precisa lavar mãe, depois eu faço isso.

Tigresa desceu as escadas apressadamente e olhou ao redor. Gui se arrepiou, pois ela havia feito a mesma coisa na noite anterior. Napoleão parou de abanar o rabo e começou a cheirar todos os cantos da cozinha. Furacão bateu os pés na terra com muita violência, como se estivesse correndo no mesmo lugar.

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