Na superfície (LIVRO COMPLETO)

Epílogo

Estava decidida. Ou melhor, estávamos decididos. Levamos três dias remoendo os fatos. Durante esses três dias, conversei com Amanda e Michelle, que só reforçaram meus pensamentos. Fui ao escritório no Rio, fiz uma cópia de todos os meus documentos, depois agendei um e-mail no servidor, informando aos clientes que estaria me desligando do escritório, mas que estaria disponível para esclarecimentos, se necessários, com meus contatos pessoais. Não joguei sujo, mas também não fechei minhas portas e janelas.

Conversei com a equipe, deixei tudo encaminhado, ninguém iria ficar na mão, não por minha causa. Retornei à minha cidade com o coração leve, confiante. Fui do aeroporto direto ao escritório, aguardei pacientemente que o Dr. Arsant terminasse uma reunião. Coloquei as cartas na mesa. A expressão de culpa não caía bem no rosto do meu chefe, nunca pensei que veria uma raposa velha não conseguir blefar. Estava de calças curtas.

Me chefe acabou confirmando as informações, tentou se desculpar, ofereceu benefícios, um generoso salário e uma gratificação pelo projeto que montei... Só não queria mais. Estava com a certeza de que não podia estar associada àquele escritório, não depois de ter sido usada como fui. Acabamos concordamos com uma gorda rescisão, era o mínimo que ele poderia fazer. Também deixei claro que informaria aos clientes e ele não fez objeção alguma. Dr. Arsant estava envergonhado, algo incomum.

De qualquer forma, enquanto conversávamos, o meu e-mail foi disparado. Antes mesmo de pôr o pé na rua, dois clientes tinham me escrito e pedido retorno urgente. Um outro cliente do Rio de Janeiro também ligou, querendo agendar uma reunião naquela mesma semana. Tudo isso só me deu mais certeza de que precisava voar sozinha dali por diante e ser dona do meu destino profissional.

Arthur cumpriu sua palavra e me apresentou seis bons clientes, todos no Rio de Janeiro, mas que manteriam a receita do escritório e ainda gerariam um lucro suficiente para eu respirar e buscar crescimento. Logo, logo, precisaria de mais colegas de trabalho, o que não seria difícil. Apesar dos pesares, eu tinha feito bons contatos e as dificuldades seriam contornadas. Não ia me derrotar antes de lutar, nunca mais.

Passados nove meses dessa transição enorme, a sensação não era de um parto complicado. Fausto aceitou a demissão, ratificando-a junto à matriz, não sem antes acessar os documentos que indicavam o comprometimento da empresa em negócios escusos... Com algumas informações também conseguidas por Arthur e juntos nessa "investigação", montaram um dossiê e entregaram anonimamente às autoridades do país e ao Ministério Público, conforme orientação minha, porque ambos não queriam se envolver com mais nada relacionado a isso. Quando Fausto foi procurado, formalizamos um acordo de confidencialidade, fazendo com que seu nome não fosse sequer mencionado na operação que estava prestes a explodir.

Arthur, ao contrário, foi um informante ativo, atuando diretamente com as autoridades. Desconfiava que era a sua forma de dar uma lição em Monica, mesmo com os conselhos de Fausto para que ele deixasse tudo para trás. "Cada um com seu tempo de cura..." era a resposta de Arthur.

Tive uma oportunidade, em uma das minhas breves pontes aéreas para o Rio, de me encontrar com Arthur, que parecia estar progredindo na inteligência emocional, sem aquele rancor que guardou por tanto tempo. Desejou felicidades para nós de uma forma sincera, que só podia ser compreendida olhando em seus olhos. Estava bem e, no fundo, ainda nutria sentimentos por mim, mas entendia que meu destino não cruzava com o dele.

Gostava de Arthur, compreendia seus defeitos. Mas amava Fausto e isso não ia mudar.

Assim que voltamos do Rio, Fausto se matriculou em um curso renomado de gastronomia, cumpriu a ponte aérea Vitória/São Paulo e já estava na reta final, assim como o projeto do bistrô vinha tomando forma. Já tínhamos o local, em uma parte bucólica da cidade. Estávamos progredindo da forma que conhecíamos, com nossos próprios meios, felizes em transpor cada dificuldade, cientes de que era apenas um reforço para os nossos objetivos se concretizarem.