- São quarenta e um reais e cinquenta e três centavos, senhor. - respondeu a moça do guichê, enquanto ele procurava, alucinado, algumas moedinhas nos bolsos.
- Só tenho quarenta mesmo, moça. Não tem como, não?
- São quarenta e um reais e cinquenta e três centavos, senhor. - A moça, com cara de sistema, parecia irredutível.
- Não é possível! Que porcaria! - Jack se desesperava e já estava aos gritos - Vou perder o ônibus por causa de um real?? É isso mesmo?
- São quarenta e um reais e cinquenta e três centavos, senhor. - sim, ela não apenas tinha cara, mas parecia mesmo um sistema de computador, um robô programado para repetir aquelas mesmas palavras enquanto o valor não fosse completado.
- São quarenta e um reais e cinquenta e três centavos, senhor.
Jack continuava a caçar, desesperadamente, uma moeda que fosse, mas não tinha nada: nem nos bolsos, nem na mala vazia, exceto por uma muda de roupa suja. Enquanto isso, ele ouvia o ronco do motor do ônibus que indicava que a partida estava próxima... Mas Jack não tinha sequer o dinheiro pra passagem...
- Ah! Achei! Graças a Deus - aquela nota de dois reais no bolso traseiro da calça parecia um bilhete premiado da Mega Sena. - Aqui está!
- São quarenta e um reais e cinquenta e três centavos, senhor. Aqui está o seu troco. Obrigado senhor, e tenha uma boa viagem - disse a moça, como se fosse uma gravação de call center.
Com passagem em mãos, Jack finalmente poderia embarcar. Ele teria finalmente um abrigo para a noite chuvosa. Mas foi justamente a chuva o seu algoz, quando o vento frio da noite puxou o bilhete das suas mãos.
- Que p...! Eu não acredito! - e Jack saiu atrás da passagem ao vento como quem tenta catar borboletas... O bilhete voou, voou, e pousou justamente na poça d'água em frente ao ônibus.
- Nãaaaaaaao! - Jack caiu ajoelhado sem acreditar no que estava acontecendo - Por que, meu Deus? Por que?
O buzinaço do ônibus fez Jack se levantar em um só lance, e o pneu do ônibus fez o favor de completar o sofrimento de Jack ao passar com tudo na poça, destruir o bilhete e ensopar ainda mais o pobre moço, barbudo, e que já estava há alguns dias sem banho.
Era meia-noite, e o último ônibus para Monte Canaã havia partido. Era uma viagem longa, que perduraria a madrugada. Jack só precisava voltar para casa, e não sabia mais como. Sujo, molhado, cansado e desiludido, nosso pobre moço entrou no boteco que fica em frente a rodoviária (se é que podemos chamar assim aquela estrutura com um guichê caindo aos pedaços e um banco onde passageiros esperam os ônibus) e pediu uma dose de uma bebida qualquer. Enquanto um funcionário colocava as cadeiras viradas sobre a mesa, sinalizando que já estava fechando o bar, Jack virou a bebida com um gole só, e ficou ali na bancada... Olhar perdido, mente distante, sem saber para onde ir e o que fazer... Ele poderia ficar ali, sem rumo, por dias inteiros, se não fosse a chamada rude do dono do bar:
- São dois reais, moleque! E dá o fora daqui porque já estamos fechando!
E num movimento vicioso, Jack pôs a mão no bolso traseiro da calça... E só então se lembrou que aqueles dois reais já haviam sido gastos no guichê.
- Porcaria! - gritou, inconformado em ter que começar mais uma vez o drama. O que restava era tentar explicar ao dono do bar - Escuta, moço.. Eu acho que não tenho o dinheiro...
- Você acha que eu sou burro ou o quê, seu filho da... - o homem agarrou o colarinho de Jack e o levantou - Você acha que vem aqui, bebe no meu bar e sai sem pagar? É melhor você arrumar agora o meu dinheiro se não quiser...
- Tá aqui o dinheiro do rapaz. Pode soltar ele - do nada apareceu um homem colocando uma nota de dois reais no balcão.
- Quem é você? - perguntou o dono do bar, desconfiado, ainda com o colarinho de Jack nas mãos.
- Não interessa quem eu sou. Você não quer o dinheiro? O dinheiro está aqui. Toma!
- Ok. - o homem recebeu o dinheiro, desconfiado, e de certa forma aliviado por não ter tomado mais um calote de viajante oportunista. - Saiam do meu bar... Já estou fechando.
De tão transtornado, Jack já ia saindo sem sequer agradecer a gentileza do homem, quando sentiu uma mão em seus ombros.
- Calma menino, não vá embora tão rápido.
O homem aparentava ter seus 60 anos e tinha paz em seu semblante. Uma paz que Jack já não conhecia há muito tempo.
- Pra onde você está indo, menino? Você me parece meio sem rumo...
- Sei lá pra onde estou indo... Estou indo para qualquer lugar. - disse, sem interromper sua caminhada.
- É. Quem não sabe pra onde está indo, nunca chega a lugar nenhum. Se você quiser, eu te dou uma carona.
- Não, não precisa. Na verdade, eu já estou te devendo dois reais...
- E eu costumo cobrar...
Jack parou e se virou, sem saber como pagaria aquele homem:
- Bem, eu não tenho um centavo. - disse, puxando os bolsos da calça.
- Sendo assim, você vai ter que me pagar de outra forma...
- Como?
- Bem, há uma velha tradição na minha família... Se você não tem dinheiro pra pagar, tem que sentar e ouvir a minha história.
- Nossa... Nunca ouvi isso na minha vida...
- Talvez porque você não seja da minha família, não é mesmo? - disse o homem, segurando a porta aberta do carro, convidando Jack para entrar.
- Pra onde você vai me levar?
- Vamos dar uma volta. Entre.
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Contos Bíblicos
SpiritualE se você tivesse que fugir do seu bairro às pressas, com a sua mulher e o Salvador nos braços, para O livrar da morte? E se você acordasse no "vale da sombra da morte" do Salmo 23? "Contos Bíblicos" segura a nossa mão e nos leva para dentro da Bí...