Bela flor

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Dia 11/03/1837

O dia começou bem.

Em meu criado mudo repousavam ciclames brancos em, na minha opinião, quantidade excessiva. No entanto eles me lembravam de um dos livros de mamãe, onde uma princesa minúscula se perdia em um campo de ciclames e descobria que a grandeza de seus problemas dependia do ponto de vista.

Durante a infância eu lia para me divertir e distrair, quando mamãe tinha crises de tosse eu mantinha a cabeça nos livros e apenas esquecia de tudo. Quando comecei a crescer, passei a entender que cada livro ensinava algo.

Agora percebo que os livros eram a única forma que mamãe encontrou para me aconselhar mesmo depois de partir. E isso alivia minha dor, afinal, eles são parte dela e isso faz com que ela fique próxima de mim.

Desci as escadas tão rápido que quase tropecei na faixa verde amarrada na cintura do vestido que descia acompanhando o tecido branco da saia até o chão.

A mesa do café da manhã estava sendo posta e meu pai observava o jardim através da grande janela de vidro que ficava logo atrás da ponta da mesa, no seu lugar.

O cumprimentei e ele me abraçou em um movimento rápido e com a voz um pouco embargada fez-me prometer que tomaria mais cuidado, pois ele não aguentaria perder sua bonequinha.

O restante do dia foi monótono.

Passeamos pelo jardim, que por sinal estava muito bem cuidado, e aleatoriamente fazíamos comentários que, na maioria das vezes faziam lembrar de mamãe, logo, decidimos cortar a conversa e apenas caminhar.

Caminhamos por cerca de meia hora e chegamos à praça que estava bastante movimentada. Para me mimar, papai comprou dois potinhos de tinta e uma pena cor de rosa. Não entendi inicialmente a escolha do presente, mas logo cogitei a ideia de que ele estava incentivando-me a escrever também.

Passei o restante do dia lendo um dos primeiros livros que ganhei:" Bady e o mundo das fadas". Quando já era noite, comi uma maçã e agora... Agora pretendo descansar para começar minhas buscas pela tal voz amanhã.

12/03/1837

Acordei bem cedo e repassei todas as memórias de duas noites atrás. Comigo estava apenas meu pai e o jardineiro, ou seja, preciso encontrar o jardineiro que, a propósito, faz um ótimo trabalho com o jardim.

A grama sempre em uma boa altura, as flores sempre vivas e perfumadas, as árvores podadas e ainda assim belas. Preciso conhecê-lo, meu coração já anseia por isto de alguma forma.

Passei a tarde no jardim.

Vesti um vestido amarelo com minúsculas flores laranjas e muitos babadinhos brancos e peguei um livro. Acomodei-me em um banco de pedra atrás da casa e esperei por cerca de duas horas.

Não o vi lá então decidi dar um passeio pelo bosque até o lago. Não sei dizer se foi uma boa ideia ou não.

Assim que cheguei as margens do lago eu o vi. Ele nadava com apenas as roupas de baixo. Suas costas tinham cor de amêndoas. Ele nadava até o outro lado do lago quando deve ter percebido que não estava sozinho.

Ele saiu rapidamente da água e se escondeu atrás de uma pedra alta, foi então que percebi que eu estava com a boca aberta. Senti um calor repentino nas bochechas e quase podia me ver tão vermelha quanto uma rosa.

Mas então ele falou:
"Por favor, me perdoe, eu não a vi! Poderia virar-se para que eu pegue minhas roupas?"

Fiquei paralisada e quase sem perceber me abaixei e peguei suas roupas. Me movia como se outra pessoas me controlasse. Guiada por sua voz. Eu queria... Eu precisa ouvir aquela voz. Chegando em frente a pedra, fechei os olhos.

"Por tudo que lhe é mais sagrado; não conte ao meu pai! Ele lhe mataria e depois me trancaria no porão para o resto da vida"

Foi então que senti sua mão tocar na minha e o tecido liso das roupas escorregou por entre meus dedos.

"Como quiser, bela flor..."

Ouvi, com os olhos ainda fechados, seus passos rápidos correndo para dentro do bosque. Se escondendo entre as árvores.

Meu Deus, devo estar sorrindo sozinha em meu quarto a mais de uma hora. Preciso descer para o jantar.

O diário de NovakOnde histórias criam vida. Descubra agora