Madeline

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Uma vez eu li em um livro que as vezes de tanto sentir dor, uma hora deixa de doer, simplesmente nos acostumamos com a dor. Gostaria de dizer que o livro estava certo, mas na prática é difícil dizer que todos os dias sendo furada por agulhas enormes, sendo rasgada em algumas vezes tudo melhora, e que não sinto mais nada. Errado.

Eu teria sorte se não sentisse nada. Por Deus, eu teria muita sorte, mas ao invés disso me encontro em um lugar que não sei o que é, mas sei seu nome e sei o que achava fazer com as pessoas, o chão é frio, as paredes mais frias ainda, o metal grosso e gelado que devia ser uma cama me congela a noite. Não sei se é dia ou noite, tudo é que eu sei é que sonhei cinco vezes com meu pai durante esse tempo que estou aqui. As vezes acordo assustada com os gritos ou com os barulhos duros de sapatos vindo do corredor, eu entro em pânico, mas preciso manter a linha, então viro para a parede e a encaro por horas.

Também tem os dias que não sei por quanto tempo eu durmo, e acordo com furos no braço. Mas a dor está ali, presente, a fome, a sede, e claro, a dor que eu sinto por dentro, é como todos meus órgãos de certo modo tivessem sido triturado e eu só conseguisse me lembrar de como aquilo dói, me pergunto porque eu não morri, porque ainda não morri.

- Pense em um dia bonito de céu azul. - alguém diz, mas eu não estou no pequeno quadrado que me lembro.

O resto é tão familiar quanto sua voz, e logo sei quem é.

- O que? Pai? O que...

- Você sabe Mad, um dia bonito, céu azul. - ele sorri e eu mal posso acreditar.

- Eu senti tanto sua falta - corro em sua direção e ele sorri, aquele sorriso que iluminava o nosso pequeno apartamento.

- Acorde!

- O que? Mas eu...

-ACORDE!

Mais um sonho.

Me desperto assustada com alguém gritando na porta, um homem alto, forte que parece estressado e talvez eu esteja mesmo, já que não faço ideia de quanto tempo ele está me chamando.

Me levanto com um pouco de dificuldade com a luz branca do ambiente iluminando, ele segura algum tipo de arma e suas roupas me dão inveja, tento imaginar uma visão minha me encarando da porta, os trapos brancos, os cabelos bagunçados e com nó, e a figura de uma menina magra, por uns segundos mentalizo isso até achar ridículo e me levantar de onde estou, sem questionar o homem irritado.

- Acha que dormindo o tempo passa mais rápido? - ele pergunta. Não respondo porque já sei a resposta, ele passa as algemas nas minhas mãos e nos meus pés, me impossibilitando correr, como se desse para escapar desse lugar. - Hoje é seu dia de sorte menina, você não come a ração?

A ração. É o que eles chamam de comida, segundo eles, tem todas as proteínas para nos manter vivos até precisarem, eu desisti de comer a um dia atrás quando vomitei grande parte e ficou fedendo o meu "quarto".

- De qualquer forma, você precisa ou vai morrer de fome, não me importo, só acho que devia comer.

E eu acho que você devia calar a boca e parar de falar asneiras. Penso para mim, e obedeço quando ele me empurra para frente que significa que preciso andar.

Desde que cheguei não sei o que eles fazem com as pessoas, primeiro te trancam em uma sala com câmeras, onde é nosso quarto, segundo você enlouquece, cada um enlouquece de uma forma, eu ganhei três pontos na testa, bati a cabeça até perder a consciência feito uma louca.

Terceiro você se conforma que não vai a lugar nenhum, Quarto você para de pensar e passa a sobreviver até que algum dia eles te matem injetando algo em você, estou no quarto estagio, esperando o dia que não vou mais voltar para meu quarto, é uma mescla de um jogo mental doentio, e um jogo de mistério, eu achava que eles apenas corrigissem o comportamento dos Delinquentes, mas parecem brincar com todos. Então quando ouço gritos penso Bem-vindo ao seu pior pesadelo.

Ainda caminhando pelo corredor ouço pessoas gritando e batendo em suas celas, abaixo a cabeça tentando não pensar ou olhar para as pessoas, o homem que me leva e segura minha algema, me empurra o que eu entendo para andar mais rápido.

- Calem a boca seus animais!

- Você não devia falar com as pessoas assim. - Digo. E tenho vontade de apagar o que eu acabei de dizer.

- Como? Isso vale para você também, cale a boca! Eu falo você fica quieta.

- Você devia parar de ser um babaca, só porque trabalha para eles não tem que agir como um deles.

Sinto o homem apertar meu pulso e lança meu corpo magricela contra a parede.

- CALE A BOCA! OU QUER QUE EU PASSE ISSO PARA ALGUÉM?

O encaro, e me nego chorar, talvez nem se quisesse eu conseguiria, até ele me jogar novamente para frente me fazendo tropeçar e entrar em uma outra sala, me entregando para outro homem grande e uma mulher loira bem arrumada.

- Tomem cuidado, ela é nervosa, então é melhor começar logo, antes que eu perca a paciência com ela e a mate aqui mesmo.

- Você sabe que não pode matar um deles, deixe de ser idiota Thomas! - a mulher diz para o homem que me trouxe, por dentro tiro sarro, mas por fora permaneço quieta.

- Vamos logo com isso, temos vários deles para brincar hoje.

Claro que vão brincar, somos diversão para vocês.

Nesse momento tudo o que eles falam é descartado pela minha cabeça, eles me amarram em uma maca que diferente das demais, essa fica de pé, é como uma chapa de ferro em pé, apenas me encosto, olho para a porta que fica bem próximo, tento prestar atenção lá fora, então sinto algo furar meu braço, não apenas uma agulha, são várias, sinto o furo da agulha penetrar na minha pele três vezes em partes diferente, o terceiro é o que mais dói, então solto um grito cerrando os dentes.

- PARE DE GRITAR!

Me concentro na porta, talvez algo dentro de mim espere que alguém vá entrar por essa porta e me salvar, mas acontece ao contrário. Um menino, parece pálido claro que está pálido, não pega sol, ninguém preso aqui pega, seus cabelos são um loiro quase platinados, ou são platinados, imagino que ele seja mais alto que eu, seus olhos são azuis claros, os mais claros que consigo me lembrar de ter visto, reparo em cada detalhe nele tentando me livrar da dor das agulhas nos meus braços, ele parece preocupado, e parece dizer algo semelhante à "É só hoje, eu preciso ver ela" ou talvez seja só coisa da minha cabeça. Tenho medo de estar pensando alto demais, então ele para na porta com um outro homem que parece irritado com ele, e o menino fica em silêncio e olha para onde estou, eu faço o mesmo, o encaro.

Você não pode salvar alguém que se encontra na mesma situação que você, não dessa forma. Segundos depois me dou conta que ele não é um deles, é um como eu, percebo porque também usa os mesmos trapos que eu.

E eu não posso salvar um desconhecido.

Quero dizer para o garoto Sinto muito. E por alguma razão não consigo sequer falar uma palavra, então sinto uma lágrima brotar e escorrer na minha bochecha, o menino se vira e vai embora levado pelo outro homem, olhando mais duas vezes para trás, como se tivesse entendido o que eu disse silenciosamente.

Eu estava errada, eu consigo chorar, consigo chorar porque dói, tudo dói. Não é como a dor que senti quando minha mãe deixou eu e meu pai, é uma dor maior, uma dor de perder a si mesmo sem ter se perdido literalmente, mas metaforicamente estou mais perdida do que nunca. Eu não sei o que vai ser amanhã, ou se vai ter um amanhã. Eu sei que nunca mais vou ver as pessoas que eu costumava ver todas as manhãs e antes de dormir.

- Ele é muito bonito para esse lugar, também pensei isso quando o vi chegando- a mulher loira diz sorrindo. - Mas agora é tão burro quanto você.

- Por que vocês não matam logo, digo, pessoas como eu? - pergunto.

- Porque vocês tem mais serventia vivos, se viverem claro, terão mais serventia para nós, acredite em mim. Como é mesmo seu nome? - ela ri, e parece ter prazer de responder aquela pergunta- Madeline Ann Scheidemann. As coisas só estão começando, acredite em mim.

DelinquentesOnde histórias criam vida. Descubra agora